Simplicidade complicada
Sobre o livro de Marcelo Carneiro da Cunha, Simples, o amor nos anos 00
Amores de verão não são necessariamente fugazes, mas se o forem, nem por isso serão menos importantes. Setembro e outubro são cheios de aniversários, afinal, o descanso favorece os encontros. O fim das férias sempre traz o tema do amor, se algo não aconteceu, queixamo-nos de que deveria ter ocorrido. Se foi passageiro, temos o resto do ano para lembrar, com saudade, mágoa ou prazer. Portanto, talvez mais do que na primavera, é no verão que convém falar de amor.
Pensava-se que os novos tempos, de amores fáceis e múltiplos, decretariam o fim do discurso romântico. Conclusão apressada. Em seu último livro, Simples: o amor nos anos 00 (Ed. Record), através de uma coletânea de contos que se inter-relacionam, Marcelo Carneiro da Cunha narra relacionamentos contemporâneos aparentemente simples, mostrando que eles têm lá suas complicações. Pelo jeito, abandonar a certeza de que o amor tende à estabilidade e à monogamia não implica em que nos tornaremos sentimentalmente frios, reduzidos a impulsos e desejos imediatistas.
Marcelo narra histórias de amor múltiplas, aparentemente desconectadas, encontros furtivos, amores meramente virtuais, momentos eróticos que sequer sonham em ser, nem parecer, um grande amor. Ele deslinda o prazer dos diálogos entre homens e mulheres, pois há muita conversa em suas histórias. E supunha-se que, fora das convenções legais e religiosas, estaríamos fadados ao império da carne…
No começo do amor, é hora das expectativas. Que chance tenho de ser aceito? Quão sincero poderei ser? Como conseguir do outro aquilo que mais desejo? No meio, há a negociação, a possibilidade da surpresa: “esse não sou eu”, surpreende-se um personagem, cada vez que se descobre transformado por uma relação. No fim, na separação que raramente demora em chegar, restam os diálogos, alguma dor, e memórias para remoer ou saborear. Parou por quê? Por que me repito? Findo livro, as variadas vozes se tecem numa espécie de neo-romantismo. O romantismo é um ato de devoção ao amor, não a um amado, mas ao amor em si.
Parece complicado, mas na visão de Marcelo acaba sendo simples. “Prefiro adicionar coisas que eu possa remover (à minha vida, quero dizer)”, escreve. O feito pode ser desfeito, o sofrimento deve ser minimizado, e, com sorte, aprende-se algo com os erros. Marcelo não inventou essas teses, ele, ao seu modo, pesquisou. Perguntou a jovens e adultos solteiros, de ambos os sexos, como e porque amam e concluiu sua investigação sob forma de contos, tão verídica e imensurável como uma poesia. Suas personagens não se acomodam nunca e persistem na experiência sempre renovada de possibilitar encontros amorosos de vários tipos, que sejam interessantes enquanto durem, numa estranha combinação de desencanto e esperança. É algo como um anti-romantismo sentimental, enfim, uma simplicidade trabalhosa, mas para alguns possível. Vale a pena conhecer a pesquisa poética de Marcelo, pela graça ágil do seu texto e pela constatação de que o tempo muda tudo, menos a nossa compulsão a amar.