Síndrome da porta
Quando desejamos a ausência do outro, tememos a punição do abandono.
A noitada termina, a comida foi apreciada, a conversa ótima. Tudo na medida: confissões e risos tiveram seu lugar, o álcool fez seu papel, ninguém ficou pastoso, inconveniente. Um encontro perfeito, mas chegou ao fim. A hora de partir de um jantar, de uma visita, é para mim sempre delicada. Temo ser mal interpretada. Será cedo demais, pareço ingrata? Tarde demais? Terei abusando da paciência dos donos da casa?
Do outro lado, ao receber, não me sinto mais cômoda. Depois dos bons momentos, já estamos todos cansados, hora de deixar os convidados partirem. Eles comunicaram sua intenção em hora oportuna, mas deveria insistir? É aí que desenvolvo o que chamo de “síndrome da porta”. Tomada dessas incertezas, fico envergonhada de desejar partir, ou querer que meus amigos vão para casa. Por isso, começo a desenvolver pequenas estratégias para retê-los. Afinal, sempre temos tanto o que falar! Quanto mais quero terminar a noite, mais puxo conversa. Na derradeira despedida, na soleira do prédio, faço uma pergunta importante, tornando infinita a despedida. Grudo nas minhas visitas como carrapato, justamente quando acho que está na hora delas partirem.
Poderia atribuir esse hábito ao excesso de polidez, mas acho que sua maior fonte é a angústia de separação. Da mesma forma fazem as crianças pequenas, na clássica cena da choradeira na porta da creche: depois de fazerem um espetáculo pungente de dor ao ver a mãe partir, elas viram as costas e muito faceiras rumam para suas brincadeiras. Ficar feliz na escola é o mesmo que dizer à mamãe que ela não é mais o centro do mundo.
O balé da porta é um movimento complexo. Por um lado, o anfitrião e a visita querem descansar, assim como a criança quer se divertir. Por outro, todos temem ser menos amados se não demonstrarem sofrimento pela separação. É agradável pensar que a visita não desejaria partir e que a mamãe vive para nós. Crianças e adultos temem a perda dos pais, amigos, amores, parentes, nenhum vínculo é sempre seguro.
A solidão que se estabelece depois de um encontro é desejável, é bom quando nos deixam a sós. Hora de pensar no que aconteceu, no que se disse e viveu, de opinar para os únicos ouvidos com que somos totalmente sinceros, os nossos. Porém, quando desejamos a ausência do outro tememos a punição do abandono. Ele saiu, adormeceu, distraiu-se de nós, enfim, de alguma forma partiu, mas ao desligar-se, deixou-me para sempre? Mesmo depois de crescidos, padecemos de angústias de separação até nos momentos mais banais, ou mesmo agradáveis, da vida cotidiana. No escuro, antes de dormir, a solidão que nos contempla sempre enxerga uma criança desamparada. Essa é a única que nunca nos deixa.
Nossa, achei o texto perfeito. Temos essa angústia de ficar sozinhos, e se perguntar “tá, e agora o que faço?”. É uma folha em branco.
Delícia ler esse blog. Sempre.
Já passei por essa síndrome com minha amiga, coleguinha de jardim de infância. Mesmo sabendo que no dia seguinte nos veríamos na escola, não queríamos ficar separadas de jeito nenhum! O fim do fim de semana era o fim dos dias inteiros que poderíamos passar juntas, e esses dias só voltariam dali a mais sete dias intermináveis. Então, em uma noite de domingo, quando a mãe dela foi buscá-la em minha casa, tivemos uma ideia genial! Enchemos nossos cabelos de nós para ficarmos literalmente inseparáveis! Depois de muita água e creme, nossas mães desfizeram a nozeira e nosso plano “infalível” faliu! Hoje nossas risadas são grandes e as despedidas são mais simples, mas não menos amorosas.