Sorte no jogo
Sobre o sonho de ganhar na loteria
Sabe aquela piada do judeu que pede a Deus que o ajude a ganhar na loteria, pois passa fome, tem muitos filhos, pais doentes e outras desgraças. Ao que o Senhor lhe responde: – Mas Isaac, pelo menos compra um bilhete! Não é por economia que não compro bilhete de loteria: é por total descrença de que a providência tenha alguma boa surpresa guardada para mim. Quanto às ruins, tenho absoluta certeza que me espreitam, e se atirarão sobre mim como um felino de tocaia.
Meu avô comprou o mesmo número de loteria até morrer. Foi substituído na tarefa por um sobrinho, também até a morte. Apesar de que supúnhamos que o número sairia no mesmo instante em que parássemos de comprá-lo, minha mãe teve a coragem de interromper essa sina. Prefiro nem saber qual era o número, já deve ter saído mesmo…
Tenho, sim, duas superstições: a primeira é de que a gente ganha um único sorteio na vida, gastei o meu numa raspadinha do Inter, o prêmio era um faqueiro. O brinde vinha bem e fui até o centro retira-lo, só para descobrir que o que eles entendiam por “faqueiro” era um conjunto de facas de serrinha com cabo de madeira.
Ganhar na loteria é diferente de ficar rico por ser ousado, trabalhador ou brilhante. Estas possibilidades incluem atitudes, méritos, confiança em si mesmo. Já a sorte, tem que provir de alguma providência divina, na qual não tenhamos investido mais do que a esperança de ser escolhidos. No máximo, uma “fezinha”. Quanto aos azarados que afundaram com a Bolsa, que pode se transformar uma espécie de jogatina, pertencem a outro tipo: tampouco querem ganhar trabalhando, mas confiam que seu conhecimento e esperteza serão premiados. Nem sempre, como se vê.
Ter nascido já foi um golpe de sorte: somos fruto de uma fecundação específica, qualquer variação teria redundado em alguém completamente diferente de nós mesmos. O mundo que nos recebeu também estava ali à revelia de nossa escolha, demos sorte ou azar de cair onde e quando nos tocou. Só ao longo da vida é que ganhamos alguma autoria dos nossos passos. Por que, então, não continuaríamos esperando reviravoltas do destino? A esperança que anima esses jogos é a de que a passividade seja compatível com a sorte. Algo ou alguém olha por nós. Eis algo que duvido.
Bem, minha segunda superstição é de que sorte no jogo dá azar no amor, e vice versa. Como acredito que ganhei na loteria amorosa, provavelmente tenho medo de ganhar no jogo e virar a gangorra. Prefiro não comprar bilhetes, no creo en brujas pero que las hay, las hay…