Tarde demais

Sobre o filme O Filho da Noiva

O assunto desta coluna chega tarde demais. O filme argentino, O filho da noiva, já é veterano nos cinemas, mas se você o perdeu ganha uma chance agora nas locadoras. A história é simples: o estressado Rafael descobre que o tempo dos vínculos humanos não cabe no seu  ritmo agitado de vida. Um infarto obriga-o a parar de trabalhar e abre espaço para o drama de seus pais, Norma e Nino, um casal de velhos marcado pelo mal de Alzheimer dela e pelo romantismo incurável dele. Nino está dedicado a realizar um antigo sonho de Norma: casar na igreja. Tarde demais, a noiva já não tem condições de entender a cerimônia. Rafael, o filho da noiva, é despertado para sua própria vida pela obstinação de seu pai em realizar este casamento, objetivamente absurdo, mas subjetivamente necessário. Como todos nós, ele tem diálogos pendentes os pais. Por mais que a vida os tenha distanciado, um filho precisa mostrar-lhes que valeu a pena nascer , que foi digno das expectativas ou até que não fracassou como eles temiam. Para Norma ele não passava de um pelotudo, por isso ele trabalhava tanto para provar o contrário, empenhado em tornar o restaurante da família num negócio rentável. Tarde demais, ela já não podia valorizar a sua vitória.

O tempo de pais e filhos é de desencontro. Os filhos só reconhecem os ensinamentos que receberam quando amadurecem, mas em geral os pais já não estão vivos ou lúcidos para escutar o “você tinha razão”. Se a relação era  litigiosa, raramente é possível ao filho voltar a tempo para lhes dizer que conseguiu fazer valer as escolhas de que eles discordavam. Mesmo se o filho fracassou, seria útil encontrar nos pais perdão, consolo ou talvez o compartilhamento último de que todos de certa forma ficamos devendo.

Porém Nino tem razão em sua cruzada amorosa, em certo sentido nunca é tarde. Nos filmes românticos, a história dá uma reviravolta de modo que os desentendimentos sejam reparados, mas na vida e neste filme tão delicado não é bem assim. Norma não fica lúcida para compreender o que filho e o marido têm para lhe dizer. Rafael terá  que elaborar dentro de si o acerto de contas com a mãe e Nino, para se permitir sobreviver, precisará dar a derradeira prova de amor. Na prática pode ser tarde demais, mas no pensamento sempre há tempo para terminar um diálogo inconcluso. Os grandes debates são feitos a sós, com interlocutores imaginários, mas nem por isso são menos efetivos.

25/06/03 |
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