Tempo para não ser
Férias: mudança de identidade temporária.
É verão, temporada oficial de descanso. Sair de férias não garante que sejamos capazes de gozá-las: amigos, casais e famílias se desentendem, se angustiam, alguns vagam tristes, outros perdidos. A expressão workaholic, viciado em trabalho, que a princípio me define, não basta para explicar: não é apenas um vício. O problema é que despidos das nossas características profissionais ficamos nus de identidade.
Sei que isso não é assim para todo mundo: há quem se preparou o ano todo para este momento, lapidou o corpo, garantiu as insígnias de beleza, força, dinheiro ou o que for para entrar nos padrões. Enquanto os outros se desmancham em brancuras, barrigas, celulites e roupas soltas, alguns soberbos exemplares angariam admiração e inveja dos complexados. Eles não passeiam, desfilam. São como os salva-vidas, profissionais do veraneio.
Meu trabalho só existe na presença dos pacientes, tudo o que sei provém da escuta. Portanto, fora do consultório, não me sinto psicanalista e sempre volto das férias questionando se ainda serei capaz. Engenheiros, administradores ou contadores, por exemplo, só se valem da perícia com números quando está se calculando o rateio do churrasco, ela pouco lhes servirá na beira da praia.
Sair de cena, abandonar responsabilidades, a isso chamamos de descanso. Poder ler, dormir, movimentar-se por prazer, namorar, rir, conversar fiado. Mas como descansar de si sem sentir-se derretendo, virando nada, quando somos somente o que trabalhamos?
Sempre que tivermos o privilégio de algum tipo de escolha, nosso trabalho tende a ser significativo. Cada ofício é uma espécie de solução encontrada para administrar as expectativas que jogaram em nossas costas, junto com nossos próprios temores e ideais. Por isso, não é exatamente algo do qual seja fácil livrar-se.
Os cultivadores do corpo levam o fruto de seu esforço à praia, despem-se para trajar gala. Mas há outros tipos de bem aventurados entre os veranistas: aqueles que possuem grandes habilidades sociais, realizam-se no intenso convívio em praias, famílias, banquetes, excursões, cruzeiros. No campo oposto, os eremitas bem resolvidos também costumam lidar melhor com esse tempo livre. Viajando ou repousando a sós ou em parca companhia, festejam o anonimato.
Quando consigo, tendo a me resolver melhor como os mais quietinhos. Porém, é bom parar de culpar-se pela dificuldade de entrar em sintonia com o descanso. Como as férias implicam numa mudança de vida, portanto de identidade, isso acaba sendo um desafio. Em lugares diferentes, com outras vestimentas e as rotinas alteradas, tornamo-nos meio estrangeiros a nós mesmos. O pior é que quando finalmente pega-se o jeito e o gosto, lá pelos últimos dias, já é hora de voltar para casa.