Tempo sem glamour
sobre “Meia noite em Paris” e nostalgia
O tempo presente é o primo pobre da nossa imaginação. Com os olhos voltados para o futuro esperamos dele curas, invenções, prazeres, liberdades e outras maravilhas. Viver muito, testemunhar e aproveitar ao máximo o que virá, é o nosso lema. Os jovens encarnam o espírito de nosso tempo como ninguém, a vida adulta está associada à mediocridade e a velhice nos apavora. Mas há um tipo de passado que ainda reverenciamos: é a crença de que os grandes homens pereceram outrora, quando revoluções, guerras e diásporas desacomodavam a humanidade. Idealizamos os tempos de vida dura dos nossos antepassados. Frente a eles colocamo-nos como descendentes indignos, fracos, sem protagonismo, amolecidos pelas comodidades e pela paz. Resta-nos o sentimento de não ser autênticos, de nada ter de genuíno ou empolgante para relatar.
Septuagenário, Woody Allen está acertando as contas com alguns dos seus antepassados artísticos, hoje ícones culturais. Seu ultimo filme, “Meia noite em Paris”, é similar à “Rosa Púrpura do Cairo”, no sentido de uma passagem mágica a uma fantasia do protagonista. Gil, o alter ego de Allen da vez, é um americano, escritor de roteiros comerciais, fascinado pela cidade luz. Está em visita à capital francesa com uma noiva fútil, mas afasta-se dela em busca de inspiração artística e acaba encontrando-a em surpreendentes visitas a um passado fantástico. Noite após noite, ele embarca numa viagem mágica aos anos 20, quando uma legião de artistas estrangeiros, como Hemingway, Picasso, Cole Porter, Buñuel, Dali, Gertrude Stein, Zelda e Scott Fitzgerald, entre outros, exilaram-se em Paris para beber, amar e criar. Para Gil o presente é um tempo errado, no qual nada acontece, nem se produz algo memorável.
Convivendo e discutindo com esses autores-personagens, no momento em que suas obras nasciam, descobre que o gênio não se sabe tal enquanto cria. Até para eles o presente era trivial, enredado em amores, ambições e conflitos e só o tempo dirá o que se tornará perene. Nas viagens mágicas, Gil reconhece que no presente deles, seus heróis tampouco sabiam que sua obra e época valiam a pena, por isso sai delas capaz de legitimar seus sonhos. O filme revela nossa necessidade de buscar patriarcas, antepassados a quem possamos atribuir a filiação dos nossos empreendimentos. Para isso servem histórias de um passado idealizado, as Eras de Ouro. Fantasias são portais onde entramos para encontrar nossos desejos e segredos. Com ou sem elas, Woody Allen, acha que com certa sabedoria é possível aceitar a própria realidade e ainda achar graça disso.