Terra de Nanicos

Sobre a violência no trânsito e o filme Transformers

Somos vulneráveis e quebradiços, demasiado pequenos para a terra de gigantes que construímos. Nosso mundo é hostil aos homens sem armadura, nus de máquinas. Os prédios arranham os céus, muitas ruas requerem fôlego de atleta para sua travessia, as distâncias nos exasperam, queremos ir e vir sem barreiras. Nossos passos são curtos, lentos, somos inválidos frente a tanta grandeza. De certa forma somos cadeirantes, mesmo que nossas pernas sejam saudáveis. Precisamos próteses.

Nossa dependência dos carros anima todo tipo de fantasias. Como a que inspira os Transformers, que são carros que se transformam em robôs, brinquedos populares desde a década de 80. Eles protagonizaram uma série televisiva, assim como um filme com seu nome, sucesso de bilheteria no ano passado (com direção Michael Bay). Nesse roteiro infantil, surgem na terra certos veículos que são na verdade máquinas animadas alienígenas. Eles parecem carros comuns, mas isso não passa de um disfarce, podem transformar-se em robôs gigantes que nos protegem e combatem seus inimigos, como os enormes monstros dos antigos filmes japoneses.

Os índios imaginaram os primeiros homens a cavalo que viram como uma espécie de centauro, da mesma forma como para as crianças pequenas um carro e seu motorista também compõem um conjunto. Se nessa fantasia infantil percebemos os carros enquanto seres vivos, certamente é porque neles projetamos parte de nossa alma, nosso corpo se funde com eles. Mais do que dirigi-los, nós os vestimos, como uma armadura, uma carapaça.

Alguns jovens os recebem quando atingem a maioridade ou quando passam no vestibular, funciona como a antiga autorização para usar calças compridas e passar batom. Dirigir seu carro significa “ser grande”. Mas convém lembrar que essa grandeza que o veículo nos proporciona, só é necessária porque somos minúsculos para o mundo que criamos. É para compensar esse complexo de inferioridade que os motoristas são prepotentes, não aceitam limites, e os jovens dirigem até a morte.

Hoje ser importante equivale a possuir a maior camionete, o carro mais veloz. Sinal de riqueza é andar a pé apenas na esteira da academia, nos corredores do shopping, e jamais expor o corpo vulnerável nas perigosas e sujas ruas de uma cidade. Quanto menor a pessoa se sente, maior terá que ser a prótese. Num mundo tão fútil, tudo que servir para nos atribuir valor será explorado pelas legiões de jovens, ou adultos igualmente imaturos, como recurso para engrandecer-se, infelizmente apenas no sentido material.

Na verdade é cada motorista que tende a transformar-se no robô gigante, forte e invencível, fazendo-se centauro, um só com sua máquina. Para que essa violência motorizada tenha fim, é preciso que um carro seja apenas um meio de transporte, e não uma armadura gigante super-poderosa para compensar nossos egos pequenos.

05/03/08 |
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