Turismo pela realidade cotidiana
Sobre artes plásticas e a Bienal de 2005
Para que serve visitar uma casa recoberta de pelúcia rosa? Uma parede que parece preenchida de vísceras? Ir a uma sala de museu sem obras? Atravessar um esvoaçante varal de camisas brancas? Assistir à propaganda de um produto absurdo? Experimentar combinações de cores, profundidades e formas inusitadas?
Para que serve ir à praia? Caminhar nas ruas de uma cidade desconhecida? Colocar chapéu sem sol, pintar as unhas? Para que comer sushi ou uma carne no ponto?
É claro que pensamos que vamos à praia porque é saudável, vestimos bem para fazer amigos e influenciar pessoas, ou como parte dos rituais de acasalamento, que a comida elaborada nos satisfaz mais. Tendemos a crer que tudo o que é bom tem alguma utilidade, nem que seja de forma indireta, como umas férias que melhorariam nosso desempenho laboral ao voltar. Pois bem, a Bienal do Mercosul, que daqui a uns dias se encerra, reúne o trabalho de vários artistas e o que você vai fazer lá não serve para o amor nem para os negócios, pragmaticamente é inútil. Por isso mesmo espero que você a tenha visitado.
Os trabalhos artísticos oferecem a oportunidade de viver e experienciar uma relação diferente com a realidade. Por exemplo: se você abrir um armário e lá dentro houver um brinquedo em desuso, um velho urso de pelúcia que alguma criança esqueceu de brincar e de doar, possivelmente não vai reparar no ar de desamparo daquela criatura deixada num canto. Mas se for convidado a olhar para um cubículo, onde um gigantesco bicho de pano alegórico se aperta despedaçado e órfão, você pára e sente pena dele, acompanhada de uma certa nostalgia da sua infância, que resta confinada e desmontada em algum cubículo da memória. É um pedaço da realidade que alguém recortou e “instalou” para que possa finalmente ser visto.
Quem não teve vontade de passear no meio do varal das roupas secas e limpas e sentir o contato delas na face? Crianças fazem isso o tempo todo, elas ainda não têm obrigação de ser práticas, então podem enxergar as coisas desde ângulos pouco comuns, mas os adultos menos. Ficamos mais abertos quando viajando. Então dá para se sentar em um café e achar a graça de ver gente passando; ir a um mercado para olhar cores e sentir cheiros, sem comprar nada. É tarefa dos artistas demonstrar que a vida cotidiana é passível de turismo, de importantes e inúteis experiências de fantasia e prazer.
Trocamos a literatura por livros de auto-ajuda ou manuais de saúde, viajamos para ostentar, fazemos upgrade de computador, carro e parceiro. Somos prósperos. Nessa rota, tudo se repete, nada se cria. Porém, a novidade, o progresso que tanto nos fascina, tem que ser criado. O novo só existe graças a que alguém lançou um olhar diferente sobre a realidade, pois o pré-existente não precisa ser inventado. Para abrir a nossa cabeça, a arte faz suas propostas, para as coisas úteis e de sentido óbvio o supermercado está sempre aberto.