Um cômodo vazio

Sobre Virginia Woolf e Simone de Beauvoir

“Vocês ganharam seu próprio espaço na casa até agora possuída exclusivamente por homens. […] mas esta liberdade é apenas um começo; o cômodo é de vocês, mas ainda está vazio. Ele tem que ser mobiliado; tem que ser decorado; tem que ser repartido. Pela primeira vez vocês são capazes de decidir por si mesmas quais poderiam ser as respostas. Eu poderia ficar e discutir essas questões e respostas de bom grado – mas não esta noite.

Meu tempo acabou e devo terminar.” Era 1931 e Virginia Woolf dirigiu-se com essas palavras para um público de mulheres trabalhadoras. Ela ainda empenhou-se por mais dez anos na busca da voz feminina na ficção antes de resolver de fato terminar. Não gosto de pensar que ela desistiu, prefiro acreditar que a literatura lhe prolongou uma vida de muito sofrimento psíquico.

Temos trabalhado nesse desafio que ela nos deixou. Para nós nada é certeza, mais que novos papéis, a liberdade conquistada nos legou a dúvida. Cabem filhos em nosso cômodo? Queremos um amor ou sucessivas paixões? O que mexe com nossa libido? Trabalharemos para viver ou viveremos para trabalhar?

Virginia conviveu com a primeira geração de mulheres numericamente significativas que tinham questões a colocar-se, mas elas não tinham precedentes. As mães delas sabiam o que seriam: esposa, mãe, solteirona, freira. Já elas precisavam fundar um destino e amadrinharam as gerações seguintes que tentavam preencher esse novo lugar. 

A busca da voz é tema recorrente para todos aqueles que escrevem: como preencher um papel, uma tela, em branco, que parecem zombar do pobre escritor? Ao referir-se ao vazio do recém adquirido cômodo Virginia inseriu a própria condição feminina nesse impasse criativo. Porém, hoje esse problema autoral coloca-se para ambos os sexos, já que a identidade masculina tornou-se inquieta.

 Outra matriarca, cuja obra sexagenária, O Segundo Sexo, foi finalmente reeditada em nosso país, tem uma explicação para isso: Simone de Beauvoir acreditava que a mulher fazia-se “Outro” para que o homem pudesse ser “Um”, fazia-se de fundo para que ele pudesse ser a figura. Eram papéis complementares, de tal modo que quando se rompe um lado desse enlace soltam-se os dois.

Não há porque pensar que as mudanças de comportamento provêm somente das mulheres, e que os homens apenas as teriam tolerado. Foi para ambos que o elo dos lugares fixos se dissolveu: houve homens que se apaixonaram por mulheres livres, elas por sua vez, abriram mão do abrigo do patriarca. Assim foi o amor de Simone e Sartre, o de William Godwin pela feminista Mary Woolstonecraft, o de Virginia e Leonard.

Homens e mulheres saíram do piloto automático, sentem-se frágeis, mas não cessam na busca do tom, de uma voz autêntica, e compartilham uma dúvida interior: o que me torna uma mulher, o que me faz um homem? Por isso esperamos tanto do amor e do desejo, que parecem confirmar alguma coisa, qualquer coisa. Virginia, Simone e outras tantas nos deixaram essas idéias, com elas pelo menos não ficamos tão órfãs.

01/08/09 |
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