Um homem, muitas vidas
nunca é tarde para se reinventar
Quantas vezes deixamos de realizar algum anseio por achar que é tarde para recomeçar ou transformar nossa vida? Encruzilhadas, opções, estão sempre aparecendo, mas falta coragem. Muitas vezes sou procurada para ajudar nessas curvas de destino. A teoria me diz que é possível, mas nada como uma história verdadeira para acreditar.
Para o primogênito de um ferroviário a universidade oferecia poucas opções: médico, advogado, engenheiro. Naquela época, arquiteto e psicólogo não eram destinos plausíveis para um macho gaúcho do interior. Estudou engenharia na capital, militou em tempos de repressão. Apaixonou-se por uma mineira, companheira de política, e perseguidos tiveram que sumir. Foram parar novamente no interior. Mas suas aspirações estéticas e ideológicas contaminavam o pragmatismo do engenheiro civil. Projetou formas inéditas e com elas desenhou o campus da universidade onde leciona até hoje, o museu antropológico, casas exóticas. Era arquiteto, urbanista, educador e político. Teve filhos, netos. Basta? Para ele, não. Guloso de novidades foi analisar-se. Apaixonou-se novamente, desta vez pelo caminho aberto por Freud. Nada o impediu de voltar aos bancos da mesma universidade onde é professor, cursou psicologia, estuda psicanálise. Já tinha quase sessenta quando se formou e hoje, rumo aos setenta, tornou-se psicanalista. Provavelmente seus pacientes têm oportunidade de projetar para suas vidas formas tão criativas quanto as que ele encontrou.
Quantas vidas teve esse homem? Todas as que quis e sabe-se lá o que ainda vai inventar. Talvez, relativo à vocação, possa se aquietar, pois um psicanalista vive muitas vidas além da sua. Quem clinica é testemunha e promotor de viradas surpreendentes ou, ao contrário, de situações em que se reencontra o eixo anterior, que já parecia perdido.
Ele não é meu paciente, é meu tio e graças e ele não tenho dúvidas de que a vocação é algo muito maior que um conjunto de dons. Aprendi que o norte são desejos inesperados, inexplicáveis, e sobre a tenacidade em realiza-los.
Se para um homem cujas opções cabiam nos dedos de uma mão a vida abriu-se em leque, imagine hoje! Além das mais inusitadas profissões possíveis, o jovem sabe que as oportunidades e vivências o transformarão de modo imprevisível. Outrora poucos ousavam sonhar, mudar de rumos, descobrir novidades em si mesmo. Mas não há porque se apoquentar, podemos nos inspirar nessa e em tantas histórias assim. Para seu pai, chefe de estação, os caminhos seguiam os trilhos, não havia como nem porque descarrilhar. O filho, pioneiro de um tempo de roteiros indeterminados, descobriu o número infinito de linhas com que se pode projetar e percorrer a própria existência. Uma história e tanto, que hoje pode ser a de qualquer um.
(Publicado na Revista Vida Simples, edição de dezembro de 2011)
Sábio texto, e grande lição de vida 😉
Adorei !
Ana