Um naturalista a bordo da nau dos sonhos
Sobre artista plástico Walmor Correa
Houve tempos em que não era necessário sair da terra para fazer viagens fantásticas. No passado, quando tantos lugares ainda eram desconhecidos, bastava subir a bordo de um navio para ver desfilar inimagináveis maravilhas. Mesmo assim, jamais nos conformamos com o que a realidade tinha para nos oferecer. Dragões, hidras, gigantes, sereias, fadas, os monstros mais variados eram descritos e desenhados, como prova de que nossa imaginação não perde sua gula: ela jamais se satisfaz com o que consta no cardápio da natureza.
Para explorar mundos imaginários carece que exista outro tipo de naturalista disposto a subir a bordo de uma embarcação onírica. É claro que essa espécie de Darwin, viajando a bordo de um Beagle dos mares fantásticos, tinha de ser um artista, um sonhador, embora não deva lhe faltar a calma para o detalhe, e até alguma frieza científica. Existe um desses entre nós, ele se chama Walmor Corrêa.
Recentemente, ele recebeu o Prêmio Açorianos nas categorias de Escultura e Destaque Especial do ano. A exposição premiada chamava-se Memento Mori, estava no Instituto Goethe na primavera passada. (Para quem perdeu: www.walmorcorrea.com.br).
A obra compreende várias caixinhas de música, em cujo interior, em posição de bailarina, giram frágeis esqueletos de ave. À primeira vista, parecem animaizinhos comuns, mas aos poucos, vamos percebendo que são restos dissecados de criaturas imaginárias. São pássaros com rabos de rato, bico de corneta, estranhas protuberâncias nos ossos da cabeça e do corpo. Como seriam quando tinham carne e penas? Tendemos a nos perguntar, esquecendo que aquelas aves bailarinas jamais existiram! Ao apresentar-nos a natureza fantástica post mortem dissecada, paradoxalmente, ele lhe legitima a vida. As caixinhas de música sempre me evocam algo melancólico. A música, tão delicada, se acabará quando a corda terminar, ou se calará quando fecharmos a tampa. Diferente de uma longa e imponente sinfonia, a música da caixinha é sempre curta, finita, intermitente, como a vida que vem e se vai.
Traduzido, o nome da exposição é “Lembra-te que morrerás”, mas irrita-nos sobremaneira a inclemência da morte. Queremos ser sinfonia inacabável: cuidamos da saúde, fazemos plásticas, damos corda, damos corda…Ao contrário disso, a arte nos oferece um outro tipo de transcendência, podemos ir além, não da vida, mas da realidade. Com Walmor zelando pelos mundos fantásticos, vale a pena aproveitar o tempo que nossa corda durar.