Um novo tipo de princesa

Sobre o centenário do livro A princesinha, de Frances Burnett

A história infanto-juvenil A Princesinha, faz cem anos. Escrita pela anglo-americana Frances Hogdson Burnett em 1905 (Editora 34,1996), possibilita uma boa tradução do tipo de princesa que o século XIX nos legou. Ainda há lugar no coração das meninas para as lânguidas belas adormecidas à espera dos príncipes. Até mesmo para a Cinderela, que foi um pouco mais ativa, embora tenha dedicado suas artimanhas apenas à sedução de um amado. Há uma novidade em Sara, esta princesinha: ela não só precisa mostrar-se feminina (através da sensibilidade e da capacidade de fantasiar), como também terá que ser forte e independente, como os homens. Há muitos contos de fadas onde as princesas passam por maus bocados, mas a vitória final é sempre a conquista de um príncipe

Sara Crewe nasceu na Índia e, como costuma acontecer às princesas, perdeu sua mãe logo na entrada da história. Como elas, cresceu num idílio com seu generoso pai e nada faltava à virtuosa menina. Tinha uma vida opulenta, com privilégios de colonizadora, imersa na magia da cultura indiana. Aos sete anos, seu castelo começou a ruir: foi levada para uma escola inglesa, onde sua educação formal deveria acontecer. Lá enfrentou o mundo hostil e mesquinho das meninas da burguesia britânica usando como arma sua capacidade de contar histórias. Parecia não haver adversidade que a derrubasse.

Porém, no aniversário de onze anos recebeu de presente a notícia de que seu pai havia morrido deixando-a na miséria. Teve que ficar vivendo como uma borralheira maltratada na escola, sendo que mais uma vez as  histórias fantásticas que criava a auxiliaram a sobreviver. Dois anos de sofrimento depois, apareceu um sócio do pai, que a buscava pelo mundo todo, disposto a lhe restituir a fortuna que o pai havia lhe deixado. Sara e ele se conheceram  por acaso e ela conquistou seu benfeitor (um substituto do pai) muito antes de ter sua identidade revelada. Ela recebeu sua herança, mas antes precisou provar na adversidade a mesma força e nobreza da alma que seu pai via nela quando pequena. O pai de Sara foi fraco como costumam ser os das princesas tradicionais, morreu deixando-a desamparada e a mercê da inveja das outras mulheres. Como Cinderela ela terá que se virar sozinha, mas desta vez ainda longe das promessas do amor.

Enquanto a felicidade das antigas princesas só poderia vir do casamento, para esta nova princesa não há substituição do pai pelo príncipe, há a árdua reconquista de um lugar no mundo ao qual deve-se acessar por mérito. Neste caso, é preciso identificar-se também com a garra do mundo masculino. Por isso a figura inspiradora de Sara nos tempos difíceis é o Conde de Monte Cristo, e não a Cinderela. É este o tipo de princesa guerreira que entra no século XX e anuncia a chegada das Meninas Superpoderosas, que combatem os males do mundo com os dons que o pai cientista lhes deu. Neste século de vida da história de Sara, muitos desafios se somaram às mulheres em formação. Elas, de fato, conquistaram o mundo, que é bem maior do que o coração de um príncipe.

18/05/05 |
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