Um violinista no metrô

Sobre um violinista que se fez passar por um músico de rua

Nesse 12 de janeiro, na hora do rush matutino, numa concorrida estação do metrô de Washington, aconteceu algo inédito. Não foi evento casual, foi uma performance cultural cuidadosamente calculada para nos fazer pensar. Joshua Bell, um dos mais incensados violinistas do mundo, tocou divinamente como costuma, mas posicionado como se fosse um músico de rua. A conseqüência você já pode prever: ninguém parou para escutá-lo, embora ele tenha ganhado 37 dólares jogados na caixa do seu Stradivarius. A história pode ser lida na íntegra no número 10 da imperdível revista Piauí, nas bancas.

            Trata-se de uma “obra de arte sem moldura”, comenta-se na revista, assim como a pressa, inimiga da fruição, serve também para justificar a insensibilidade das mais de mil pessoas que passaram indiferentes ao apaixonado desempenho de Bell.

            Há quase duzentos anos atrás, Andersen mostrou um fenômeno contrário, mas de mesmo sentido, em A Roupa Nova do Rei. No conto, o público é chamado a apreciar o que não vê, mas finge que enxerga para não passar por burro na frente dos outros. Na apresentação do violinista, ninguém pode se deixar tomar pelo que o resto das pessoas também não está apreciando, porque a fruição da música vem em segundo lugar. Em primeiro vem o contexto, a moldura.

             Diga-me o que toca no seu ipod e eu te direi quem és! Nossos valores estéticos são mais complementos de uma imagem pública do que vinculados a momentos de prazer. O mesmo ocorre com as casas, que quanto mais finas menos são para ser habitadas, como aquelas toalhinhas de lavabo, que não servem para secar as mãos, só para decorar. Escutamos os hits, lemos os livros mais vendidos, enfim, jamais seremos pilhados deixando de gostar do que é óbvio. Até que nos façam de bobos, como foi no caso dos espertalhões do conto de Andersen ou da performance de Bell. Ciosos da auto-imagem, dizemos aos quatro ventos que temos estilo, vide nossos caprichos estéticos e artísticos, mas não enxergamos nada além da moldura. Essa moldura é o olhar dos outros que nos vêem vendo, escutando, assistindo, vestindo.

            Precisamos trabalhar, é certo, mas também, comprar, comparecer, transitar muito além das necessidades do ganha pão. A pressa é outro dos nossos disfarces obrigatórios: aquele que anda devagar, parando para conversar, ver e ouvir, assim ao léu, sem lenço nem documento, é um desocupado, um fracassado, um ser humano sem moldura. Hiperativos como o Coelho da Alice, nossa atenção fugidia é arrebatada pelo estímulo seguinte, sem que tenhamos terminado de apreciar cena nenhuma. Queremos ser e ter tudo, mas não paramos para pensar sobre nada. Quanto mais almejamos ser ímpares, mais nos massificamos. Resta disso uma constante sensação de vazio, pois não há tempo para que nada nos preencha. Por isso, se o teatro for bonito e o ingresso caro, então os outros saberão que se estamos lá é por que somos alguém e poderemos prestar atenção no espetáculo. Pena que esquecemos que a felicidade pode estar de boné tocando numa esquina. Mas não a notaremos, passaremos com pressa de ser importantes.

25/07/07 |
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