Uma cidade de leitores

Sobre a confraria Reinações

Porto Alegre, 12 de fevereiro, entardecer, sensação térmica 40 graus. Fui ao encontro achando que seria a única maluca interessada em debater “História sem Fim” numa livraria do Bom Fim (Letras & Cia). Não era o caso. O bando de doidos que se encontrou naquele dia chama-se Confraria Reinações e completaram dois anos disso: reunir-se mensalmente na livraria para trocar idéias sobre literatura infanto-juvenil. A cada encontro decide-se qual será o próximo livro a ser compartilhado. Lemos clássicos ou qualquer outro que se mostrar marcante para esse público. Entre os presentes há escritores, professores, editores, artistas, alguns têm seus livros publicados, mas todos estão lá na condição de leitores. A discussão pode atingir todos os níveis, há liberdade para dizer: “gostei”, ou “detestei”, “me irritou e parei de ler”, “pulei partes chatas”, e assim por diante. É isso que faz o encanto dessa reunião, a leveza que permitiu que se continuasse trabalhando até no nosso fevereiro.

Porto Alegre, 23 de abril, Dia Internacional do Livro, outro bando se reúne para atravessar a noite lendo o mesmo calhamaço – no caso “Cem anos de Solidão” – as vozes se alternam, alguns passam, outros ficam até o fim da noite e da obra.

Porto Alegre, primavera de todos os anos, há mais de meio século. Nossa Feira do Livro transforma-se no lugar onde nos encontramos, nos divertimos, discutimos assuntos aleatórios, borboleteamos. Somos uma cidade de leitores. Não sei dizer números, comparar com outras capitais do país e do mundo, é só uma boa impressão.

Somos também uma cidade de autores, mas creio que a condição de leitores é decisiva. A experiência da Reinações, na qual adultos lêem livros de criança, especialistas dão-se ao luxo de opinar como amadores, autores posicionam-se como meros leitores, é exemplar disso. A cultura adquirida por cada um de nós consiste na transmissão do acervo de narrativas, sons e imagens da humanidade, que, já disse o psicanalista inglês Winnicott: todos podemos usar se tivermos algum lugar onde colocar o que encontremos. Somos como uma obra aberta, na qual vão se acumulando elementos provenientes do acervo da humanidade. Ser leitores é mostrar que se tem lugar para colocar o que se absorve, para processar a experiência cultural, e isso faz de cada leitor um autor de sua própria história. Nossa cidade cria espaços para que cada vida seja uma leitura dramática dos tantos textos a que tivemos acesso, com os quais vamos proseando pelo tempo que nos toca.

29/04/09 |
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