Uma dama na sala e …
Sobre o livro Prostituição, o eterno feminino, de Eliana dos Reis Calliga
Já disse, com severidade cavalgante, um dos senhores do poder vigente, que as mulheres devem ser castas, já os homens… “Muitas vezes (ele) quer aprender como fazer o serviço.Tem que aprender com quem estiver disposta a ser professora.” (sic) Seu objetivo era separar o joio do trigo, a virgem casadoira da prostituta que, seja ela uma profissional ou uma leviana, esteja disponível ao sexo casual, sem amor e compromisso.
Talvez esse senhor ficaria alarmado se soubesse da “prostituta interior” que mora dentro de cada mulher comum, ou seja, da importância de fantasiar com uma entrega paga e indiscriminada, mesmo para as aparentemente mais castas. Ficaria mesmo assustado, se suspeitasse que filmes como “A Dama da Lotação” (inspirado em um conto de Nelson Rodrigues, 1978), ou o francês “A Bela da Tarde” (Luis Buñuel, 1967), são baseados em fantasias mais femininas do que masculinas. Neles, as personagens de Sônia Braga e Catherine Deneuve abandonam uma vida burguesa e convencional a cada tarde da semana para viver, clandestinamente, o prazer compulsivo da entrega a homens quaisquer. Ao fim do dia, voltam à vida normal, como se nada tivesse acontecido. Certamente ele não gostaria de saber que ser uma dama na sala e uma prostituta na cama não é uma exigência masculina, é uma fantasia feminina corriqueira.
À guisa de fundamento, ele poderia ler o recém lançado livro da psicanalista Eliana dos Reis Calligaris, chamado “Prostituição: o eterno feminino” (Ed. Escuta, 2005). Ela explica que a construção da identidade feminina passa pela difícil situação de querer e precisar ser desejada pelo próprio e amado pai, mas que este não pode fazê-lo como se fosse um homem qualquer. A partir daí, a fantasia de entregar-se a qualquer homem é uma alternativa para viver o sexo independente desse vínculo com o pai. Porém, diferente das personagens desses filmes, à maior parte das mulheres basta um detalhe, uma palavra sussurrada, para que possam entregar-se ao homem amado como se ele fosse um qualquer. Escreve Eliana que “a fantasia de prostituição seria uma as janelas para que uma mulher se autorize a expulsar-se do circuito entre o amor permitido e o sexo interditado com o pai”. São argumentos chocantes, pois pensamos que se as mulheres são pagas ao serviço da necessidade sexual masculina, portanto, quando uma mulher realiza ou pensa algo que a faça parecer uma puta, ela estaria buscando apenas o agrado do seu homem. Parece que não é bem assim. As verdadeiras prostitutas, sem sabê-lo, também são “professoras” para as outras mulheres, cujas fantasias elas encarnam.
Pelo menos, um senhor mais sábio, Garcia Marques, soube resgatar a dignidade da categoria em Memórias de Minhas Putas Tristes (Ed.Record), às quais seu personagem se consagrou com fidelidade vitalícia. O tipo de Amélia que o senhor político diz apreciar, é uma dona sem vontade e sem viço, que não passa de uma das (tantas) máscaras do feminino. O Sr. Severo não se iluda, no fundo nenhuma de nós presta.
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