Velhas histórias, novas personagens

Sobre o filme O Segredo de Brokeback Mountain

O Segredo de Brokeback Mountain”, filme candidato ao maior número de Oscars da temporada, é uma lacrimógena história de amor, daquelas que nos fazem pensar que a paixão é uma experiência para poucos. No caso, o idílio é entre dois homens.

O filme mobiliza o a emoção ligada aos amores impossíveis. As histórias que ficam na memória, as que constituem os clássicos, são relatos de grandes expectativas associadas a enormes fracassos amorosos. O vilão poderia ser representado por uma guerra, uma doença, um rival, mas no filme de Ang Lee a adversidade que atrapalha os amantes provém do preconceito. Na década de 60, no interior inculto e intolerante do EUA, um pedaço de terra alheio à revolução dos costumes, não havia lugar para um relacionamento gay. Por outro lado, que tenhamos chegado ao ponto em que um tradicional enredo de amor seja protagonizado por pessoas do mesmo sexo, demonstra que as estruturas desse preconceito começam a ceder. Creio que aqui está uma das razões do sucesso do filme, menos por ser uma história tantas vezes contada, mais por essa insólita dupla.

Não surpreende que os protagonistas sejam cowboys, todo mundo sabe que é na terra de Malboro que os homens se encontram. Uma atração latente emana do ajuntamento dos homens no esporte, no bar, nas lides campeiras. Eles trocam socos e xingamentos carinhosos, numa forma contida e socialmente controlada de jogo erótico. Já as mulheres o fazem com risadas, gritinhos e  observações sobre o corpo e a roupa  umas das outras, nos vários tipos de excursões a banheiros e vestiários que compartilham e preenchem com sua tagarelice excitada. A atração homoerótica faz parte da vida de todos, mas para alguns, ali nascem suas histórias de amor, enquanto que para os outros ela fica restrita ao campo controlado da amizade.

Os relacionamentos amorosos entre pessoas do mesmo sexo vêm se tornando cada vez mais visíveis. Freqüentam as reuniões de família, os grupos de amigos heterossexuais, as festas da firma, encontram respaldo social e direitos legais. Graças a isso, um filme que envolva o amor entre dois homens pode ser sobre o amor e não sobre homossexualismo. Neste caso, o eixo passa pelo contraponto entre a paixão, vivida no alto da montanha, isolada das convenções e obrigações sociais, e a vida chata e neurótica da planície dos casamentos tradicionais. Talvez essa mesma contradição também esteja na raiz de muitos amores homossexuais: a marginalidade em que eram obrigados a viver criava a possibilidade de romper com o destino pesado da tradição, família e propriedade. A diminuição dos preconceitos aliviará o clima de adversidade, mas trará para esses casais outros desafios: a gestão financeira, o convívio com a família de ambos, filhos… Novos tempos, novos problemas, pois amores existem de muitos jeitos, mas o Grande Amor, é acima de tudo uma promessa de perfeição que não se cumpre.

08/02/08 |
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