Vida besta

Sobre o filme queime depois de ler

O título do último filme dirigido por Joel e Ethan Coen, “Queime depois de ler”, é uma expressão que pode estar no fim de uma importante mensagem secreta, mas também significa que não vale a pena guardar. Opto pela primeira.

Embora as personagens pareçam gente importante, a locação deste filme lembra a América profunda de “Fargo”. São pessoas medíocres, fracassadas, falsas ou irrelevantes, que confundem suas pequenas prioridades e impressões com grandes coisas. Obcecados por sexo, poder, dinheiro e beleza, elas se afogam numa comédia de erros. As personagens não somente deste, mas da maior parte dos filmes dos irmãos Coen, são de um universo de toupeiras, que medem a realidade pelo diâmetro de seus túneis escuros. Parte da brincadeira dos diretores foi colocar dois galãs, Pitt e Clooney, no papel de abobados e torna-los convincentes. Como se vê, o charme depende do papel que se desempenhe.

A mesma vontade que temos de sacudir as personagens, para que acordem do pesadelo de non-sense e burrice para o qual nos arrastam, serve para nós mesmos. Vivemos quase sempre cegos para o que ocorre ao redor: aquele que nos ama está mais perto do que pensamos, assim como aquele que pensamos que nos é dedicado sonha longe de nós; a grande conspiração que imaginamos existir é falsa e a que realmente existe nos é desconhecida; não somos tão feios como nos parece, mas somos menos espertos do que acreditamos; o sexo não significa encontro; e assim por diante. Não adianta sair do cinema pensando que somos inteligentes e as personagens imbecis. Depois de rir, é difícil queimar em nossa memória um resto amargo que nos identifica com aqueles idiotas.

Desde o começo, a obra dos irmãos Coen é dedicada a revelar nosso imensurável potencial de imbecilidade, por vezes com crueldade, em “Onde os fracos não tem vez”, outras com certa doçura, como em “O Grande Lebowski”. Boa parte das guerras, assim como os piores feitos da humanidade tem sido obra de idiotas achando-se grande coisa, seguida por outros medíocres que alegavam obediência devida aos primeiros, acompanhados de um bando de espertos com mentes estreitas. E assim seguimos vivendo sem pensar.

 Acabamos de ganhar um ano novinho em folha, ano novo é como caderno novo, parece uma chance de melhorar. Só o tempo dirá o que conseguimos fazer com isso, provavelmente nada que importe. Mas estes filmes ajudam a lembrar que alienação não é um termo filosófico vago, é uma forma de vida ao alcance de todos nós.

15/04/06 |
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