Viver sem listas
Sobre o livro de Pierre Bayard e fixar objetivos para viver
Um homem da minha idade, 47 anos, Dave Freeman, autor do livro 100 Coisas a Fazer Antes de Morrer bateu a cabeça em casa e morreu. Não li seu livro, não lhe conheço a sabedoria, ou a ingenuidade, de acreditar que se pode ir embora com a sensação de estar quites com a vida. Meu pai morreu com 87 anos, correu o mundo, sobreviveu à guerra, e não achava que tinha feito o suficiente para abrir mão da vida. Morreu inconformado, sem saber a que endereço encaminhar a solicitação de prorrogação de seu prazo, ele que amava tanto resolver tudo com cartas.
Por outro lado, comprei e ainda não li outro livro: Como Falar de Livros que Ainda não Lemos?, que, coerente com o título e com um de seus capítulos: “Os livros que folheamos”, vou comentar. Nas entrevistas dele que sim li, o autor defende um estilo de abordagem criativa, na qual o leitor participa da obra antes, durante e depois da leitura efetuada, contribuindo com opiniões levianas, pois ainda desconhece a bibliografia completa do autor e até mesmo o fim do livro em curso. Por esse critério, até leitores de orelhas tem direito a uma opinião digna de ser escutada.
O que me interessa neste caso é a postura, que vale para o livro e para a vida: Freeman, pelo que deduzo, parece ter encarado a vida como uma obra que poderia ser completada, que deveríamos tentar fruir em todos seus volumes, enquanto Pierre Bayard, o segundo autor, nos instiga a ler cada pedaço de muitos livros de forma irreverente, seguindo o curso de nossa curiosidade e preconceitos e aproveitando de cada um o pouco que conseguimos obter. A partir desses pedaços que vamos colhendo vai se constituindo uma opinião sempre parcial, temporária, talvez um pouco irresponsável, mas certamente interessante. O jeito é ir misturando tudo, fazendo novas receitas com velhas matérias primas e vice versa.
Na sugestão de leitura de Bayard, encontro um conselho de vida: desista de listar o que fazer antes de morrer. Fixar metas, olhos postos numa possível completude, é um bom método para descobrir, tarde demais, que a gente era feliz e não sabia. Da mesma forma, ler uma obra impedindo-se de formar uma opinião antes de concluir um estudo completo é sufocar nossa inteligência. Talvez o livro de Freeman, cujo conteúdo ignoro, contenha o sábio conselho de aproveitar cada uma dessas 100 coisas sem pensar nas outras 99 que ainda não fizemos, mas uma lista sempre é uma coleção de dívidas e deveres. De qualquer maneira, é pena que ele tenha tido tão pouco tempo, logo ele…