Vizinhos, melhor tê-los.
sobre os vínculos afetivos com os vizinhos.
Não faz muito, caminhão de mudança me dava arrepio. Apesar de que havia feito uma boa troca: um apartamento por uma casa bonita onde minhas filhas cresceram brincando com os vizinhos à moda antiga. Mas ainda me ressentia do caos da chegada, da longa jornada de improviso. Num lugar maior, os poucos e esmirrados móveis pediram para ficar juntos por medo da solidão e não havia dinheiro para povoar aquele latifúndio. As meninas nem ligavam, mais espaço para correr. Por sorte o resto dos habitantes do condomínio semi ocupado também usavam lençóis no lugar das cortinas. Quando todos nos assentamos, com estofados e móveis sob medida, perdeu a um pouco a graça.
Quintana já dizia que amar é mudar a alma de casa e, parodiando-o, posso dizer que mudar é amar em outras casas. Não me refiro à família, que muda junto, mas aos vizinhos. Podem ser de porta, de condomínio, de rua, de bairro. São pessoas que encontramos nas horas de desalinho, nos momentos descontraídos, ou nos quais parecemos por vezes atropelados: quando acordamos, ou voltamos destruídos do trabalho, ou ainda nos ocorreu algo triste. É infalível, o vizinho sempre está lá, no elevador, na porta, ele pode trocar um comentário ou não, mas nos testemunha.
Escrevo sobre vizinhos porque perdi minha primeira vizinha. O nome não lembro, nós a chamávamos de Chichi (no Uruguay, se pronuncia “Tchitchi”). Guardava dela uma lembrança infantil doce: ela dando-me um banho na sua casa. Nunca entendi por que essa imagem me era tão grata. Pois agora, quando soube da sua morte, à minha mãe ocorreu contar-me um episódio que conscientemente eu não lembrava. Foi essa vizinha que me deu o primeiro banho, ajudando minha jovem mãe atônita. Também lá estava ela em vários outros momentos importantes da minha primeira infância. Ambas nos mudamos, ela de casa e eu de país, mas sua proximidade me marcou. Simplesmente porque estava ali ao lado e soube entender que era necessária. O coração fica um pouco em cada casa, adeus Chichi!
A construção da personalidade não se faz somente da família e escola: crianças sempre observam atentamente como vivem e se comportam as pessoas em volta. Nesse ponto, como elas, absorvemos o contexto, não importa quão impessoais as cidades tenham se tornado. Hoje, outra vez num apartamento, tenho bons vizinhos e uma ótima vizinha de porta. Nos encontramos nas horas amassadas para falar das filhas crescidas e dos cachorros velhos. Sei que à vezes dá azar, mas da loteria da vizinhança realmente não posso me queixar. Perdi o medo de me mudar, graças aos vizinhos
Muito bacana as suas lembranças sobre sua vizinha, é muito bom termos pessoas em quem confiar e ter suporte em momentos importantes. Semana passada minha vó passou mal e teve ajuda dos vizinhos para levá-la ao hospital. Moro em uma cidade pequena, São Borja, fronteira oeste do estado e aqui a figura dos vizinhos é praticamente como extensão das famílias. Maravilhoso seu texto e o carinho que emana dele junto com o relato de sua vida.
vantagens de crescer e viver em lugares onde as pessoas ainda não são tão anônimas. eu só tive a primeira… obrigado pelas tuas palavras! abraços
diana