Você é um político

Política é a soma dos SEUS pequenos atos

Em catástrofes evitáveis, como o incêndio da boate que matou 241 jovens em Santa Maria, a punição dos culpados é uma necessidade para os enlutados. Julgamentos exemplares e de grande repercussão revelam uma eficiência da justiça que gostaríamos de ver mais frequentemente. Faço votos de que sejam efetivos, além da pirotecnia. Mas há uma questão polêmica relativa ao episódio: o indiciamento de pessoas ligadas à administração pública, as quais não foram responsáveis diretas pelos fatos.

Para minha surpresa, estes se declararam injustiçados, dizem ser objeto de perseguição política, sugerindo que sua responsabilização não passa de um lance no jogo partidário. Acredito que tais indiciamentos são corretos justamente por serem políticos, o que nos ajuda a lembrar o que é mesmo a aviltada política. Ela não é, ou não deveria ser, reduzida a um tabuleiro de jogo alheio à realidade. Os prefeitos assim como nossos demais representantes das várias câmaras, são eleitos para administrar nossa vida de acordo com um determinado plano de trabalho. É nisso que votamos. As barganhas eleitorais são uma perversão das nossas escolhas, conseqüência sintomática da nossa omissão.

O que acontece numa gestão onde os bombeiros não zelam pela segurança, onde os fiscais são no mínimo omissos e centenas de jovens morrem é política sim. Política é o exercício da procuração que passamos a um cidadão para cuidar de nós e do nosso patrimônio comum. Político não é um produto que adquirimos se a propaganda for boa. Compreendendo a vida pública como território privado dos políticos de carreira, agimos como se não fossemos também, todos nós, figuras públicas.

Pensava nisso, numa espécie de balanço moral, questionando qual é o maior valor que nos cabe seguir e legar: o concernimento, que, trocando em miúdos, é o envolvimento com o que transcende nosso umbigo. Sempre que possível, nos voltamos para dentro, alheios, alienígenas, alienados da conexão com o que nos revolta. Contamos com o alívio da indignação, esse barulhento instrumento da paralisia: “não me acuse de nada, não fiz nada, sou uma alma pura”. Igual a uma das máximas de Homer Simpson: “quando cheguei aqui já estava assim”.

Gostaríamos de gerar vencedores, criar filhos capazes de ser colocados no páreo da competição. Mas filhos, como políticos, não são um produto a ser bem colocado no mercado. Precisamos ajudar os mais jovens a entrar no mérito das conseqüência sociais de suas escolhas e atitudes, do contrário serão autômatos ególatras, como muitos políticos de carreira, predadores na sua relação com a realidade.

Convém lembrar e ensinar que cada gesto que fazemos, mesmo os mais banais, fazem diferença para todos. São pequenos atos, feitos por cidadãos políticos, profissionais ou não, desde a designação de um subordinado, até atitudes privadas de reciclagem, de responsabilidade social. O modo como vivemos não é um irrelevante grão de areia na praia, é parte de uma rede, de uma reação em cadeia. Talvez esse possa ser o maior valor moral contemporâneo a ser cultivado: a consciência de que somos responsáveis pelo todo, saber-nos coletivos, políticos. Cada um de nós recebe do próximo a procuração que responsabiliza pela gestão do destino comum. Honremos esse compromisso.

8 Comentários
  1. Margit M. Melchiors permalink

    Destaco a frase “Convém lembrar e ensinar que cada gesto que fazemos, mesmo os mais banais, fazem diferença para todos. São pequenos atos, feitos por cidadãos políticos, profissionais ou não, desde a designação de um subordinado, até atitudes privadas de reciclagem, de responsabilidade social.”
    Somos todos responsáveis por nossos atos. Não só os políticos, a polícia, o judiciário. Reclamar nossos direitos como cidadãos já é um grande atitude. É muito cansativo nesse caos em que vivemos. Mas é assim, a cada pequena participação, a cada passo dado, que a sociedade evolui.

  2. olga permalink

    Diana, muy bueno tu artículo!!!
    Y qué diferencia con lo que pasó acá con el juicio por Cro Magnon!!
    Recién después de ¡8 años! se pudo llegar a un fallo que condena a algunos funcionarios…y esto gracias a la lucha de los familiares que buscaron todo este tiempo infinitas formas de exigir justicia…en fin…toda una lección de que la política no transcurre ni solo ni principalmente en votaciones o elecciones sino que se dirime, como vos decís, en actos cotidianos que tienen que ver con involucrarse, juntarse, organizarse, pensar y actuar en conjunto.
    “ni una bengala, ni el rocanrol,
    a nuestros pibes los mató la corrupción”. Besos. OLI

    • Diana permalink

      bien sabes, hermanita, que ciudadania se construye dia a dia, ya te subistes la montaña para hacerlo y seguis laburando en eso! es lindo tener una hermana mas grande que nos enseña los caminos!!!
      besos
      diana

  3. Jonatas permalink

    Foi um alívio ler este texto. Consegui encontrar a decodificação em palavras de uma ideia que estava dentro de mim, mas que eu não conseguia fazê-la soar clara. É isso. Somos parte de um todo, de uma engrenagem que necessita dessa consciência presente nos nossos atos. Precisamos acordar. Não estamos a passeio.

  4. Francisco permalink

    Pergunto-me porque o Estado omite-se em fiscalizar. Essa omissão ocorre das mais variadas formas, principalmente mediante a falta de recursos humanos e materiais. A fiscalização séria e qualificada não é bem vista pelos cidadãos, que a vê como um estorvo ou mais uma forma de retirar dinheiro. Fiscalizar bem não gera elogios na imprensa nem dividendos políticos. Apenas despertamos para a importância dela quando chocados por um pesadelo sem tamanho como a tragédia de Santa Maria. Em outras palavras, todos nós, dito cidadãos, acomodamo-nos numa zona segura de infração, gerada pela falta de vontade política de fiscalizar.

    • Diana permalink

      a malfadada, mas muito apreciada, alienação…
      abraços
      diana

  5. Isabel Marazina permalink

    Excelente artigo,Diana!Um passo a mais na interminável procura por uma sociedade mais lúcida!
    Como analistas,nosso compromisso nos liga inevitavelmente á cidadania,mesmo que alguns não entendan,tambem fazemos política quando reivindicamos a ética…
    um abraço
    Isabel

    • Diana permalink

      indo mais longe naquela expressão de que a psicanálise é o exercício de uma ética!
      beijos, faz tempo que não te vejo na terra do chimarrão
      diana

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