Últimos posts
Exibir por:

Jerkish

Sobre o discurso vazio na política

No livro 1984 Orwel imaginou um mundo em que o totalitarismo venceria e uma das suas conseqüências seria a “novilingua”. Seria uma língua com um número mínimo de palavras, feita para diminuir a capacidade de pensar e, consequentemente, a de manifestar críticas ao governo. Em resumo, só corrompendo a linguagem era possível corromper o pensamento. Os fascismos e o stalinismo nos deram demonstrações práticas dum vocabulário oficial como esse. As ditaduras são muito atentas às palavras, mais do que as democracias.

Continue lendo…

04/10/08 |
(0)

Sem medo das fraldas

Sobre o trocador no banheiro masculino

Passando por Guarulhos me deparei com um trocador de fraldas no banheiro masculino. Estava alí, fechado contra a parede, e mesmo assim, recolhido, destoava de tudo e de todos. Cheguei a pensar que errara de banheiro.

Continue lendo…

27/08/08 |
(4)

A pergunta errada

Texto a respeito do suicídio

Uma das razões para o silêncio em torno do tema do suicídio é por que tememos a pergunta radical que é colocada pelos que desistem: por que mesmo vale a pena viver? Agimos como se soubéssemos muita bem a resposta, mas engasgamos se nos perguntam isso a queima-roupa. Nunca houve uma resposta fácil, se assim fosse, as religiões não teriam ameaçado tanto os suicidas com o pior dos castigos quando chegassem no outro lado.

Continue lendo…

26/05/08 |
(0)

A força das palavras de um pai

Resenha do livro O Conto do Amor de Contardo Calligaris

Contardo Calligaris estréia na ficção: lançou, pela Companhia das Letras, O Conto do Amor (128 páginas, R$34,00). Já estamos acostumados aos seus artigos semanais na Folha, onde consegue, em tão exíguo espaço, a proeza de fazer um pequeno ensaio. De qualquer assunto, sempre extrai um novo sentido, nos surpreende com uma ou duas voltas a mais no raciocínio que já temos.    

Continue lendo…

24/05/08 |
(0)

Uma introdução aos mistérios do futebol

Pelo Cacique Pirangatinga Não poderia voltar ao alto Xingu sem dedicar umas páginas a esse estranho ritual do homem branco chamado futebol.

Pelo Cacique Pirangatinga

Não poderia voltar ao alto Xingu sem dedicar umas páginas a esse estranho ritual do homem branco chamado futebol.

Continue lendo…

04/05/08 |
(0)

Chapeuzinho Vermelho (versão politicamente correta)

Era uma vez, numa pequena e feliz comunidade auto-sustentável, uma linda menina que ganhou de presente um capuz vermelho. A menina adorou o capuz, mas se apressou em dar uma declaração à imprensa dizendo que o vermelho, embora fosse uma bela cor que remetia a vários significados, inclusive políticos e esportivos, não deveria ser tomado […]

Era uma vez, numa pequena e feliz comunidade auto-sustentável, uma linda menina que ganhou de presente um capuz vermelho. A menina adorou o capuz, mas se apressou em dar uma declaração à imprensa dizendo que o vermelho, embora fosse uma bela cor que remetia a vários significados, inclusive políticos e esportivos, não deveria ser tomado como a sua cor preferencial. Disse também que, em outros momentos,  estaria aberta a ter outros capuzes, de outras cores, e não necessariamente monocromáticos, desde que o acaso, ou outro presente, assim o permitisse.

Continue lendo…

19/02/08 |
(3)

Os perigos da floresta

O brasileiro urbano vive suas florestas como um fundo de quintal psíquico, aquele lugar que nunca vamos mas sabemos que está lá e de alguma forma nos pertence e nos define. O Brasil é verde no mapa e na mitologia nacional. Mesmo sem conhecê-las, sem nunca ter ido até elas, nossas matas estarão presentes quando […]

O brasileiro urbano vive suas florestas como um fundo de quintal psíquico, aquele lugar que nunca vamos mas sabemos que está lá e de alguma forma nos pertence e nos define. O Brasil é verde no mapa e na mitologia nacional. Mesmo sem conhecê-las, sem nunca ter ido até elas, nossas matas estarão presentes quando quisermos descrever nosso país. Nem todos os povos se definem pelo seu território, mas nós sim: para o brasileiro a história conta menos que a geografia para formar o imaginário nacional.

Felizmente agora floresta é representada de um modo positivo, depois de séculos de exploração, quando progredir significava avançar sobre seus domínios, crescer era colocá-la abaixo para que a nossa civilização a sobrepujasse. Hoje ser civilizado é querê-la virgem, preservada, desenvolvimento sim, mas de mão com a floresta.

Já para quem se aventura em suas entranhas a simpatia sofre um golpe, tudo nela resiste ao corpo estranho que a penetra. A floresta parece querer dissolver o intruso, o calor e a umidade destroem os sapatos e as roupas e  abatem o ânimo, se os insetos não o fizerem antes. Chove muito e nos sentimos como numa neblina corrosiva, tudo que não é vivo apodrece, enferruja e mofa rapidamente. Nosso senso de orientação é desativado, nossa mente cartesiana se confunde, pensamos com retas, mas na selva tudo é curvo. Os poucos ruídos que quebram o grande silêncio parecem vir de qualquer lugar. Na sua penumbra todas as direções são iguais, a diversidade é imensa, nada se destaca para que possamos orientar-nos. Para nossos olhos destreinados a selva é um labirinto. O Minotauro não virá, porém uma onça e animais peçonhentos de todos os tamanhos podem estar à espreita.

Quando finalmente algo faz diferença na paisagem é um curso d’água, mas as suas margens não se mostram mais dóceis. Terrenos alagadiços, igarapés, bloqueiam o caminho que já é por natureza sinuoso. Se as cobras já eram assustadoras em terra firme, na água são ainda mais ágeis, jacarés estão por toda  as partes e na falta deles as piranhas estarão a postos. Porém, para quem perseverar o resultado é maravilhoso, vale o sacrifício. Viver uns dias na floresta e transpô-la é uma experiência inesquecível, nunca mais seremos os mesmos.

Estamos falando da selva real, mas também existe a imaginária. O manto mágico com o qual a fantasia de índios e caboclos recobriu essa inóspita geografia talvez seja ainda mais assustador. Dentro dessa densa massa úmida e verde, já naturalmente rica em criaturas de todas as espécies, eles ainda adicionaram um sem número de seres fantásticos, tão terríficos quanto os piores perigos naturais.

Entre esses monstros folclóricos, o mais temido é o Anhangá. Ele não tem uma forma definida, pois é um espírito da floresta, porém pode tomar qualquer uma para fazer valer suas vinganças. Basicamente é um ser regulador, sua missão é punir os excessos, castigar o caçador que matar além da cota, só por diversão, ou caçar uma fêmea prenha ou ainda filhotes. O Anhangá vinga-se de várias maneiras, uma me parece especialmente cruel: cria uma miragem em que um ente querido do caçador assume a aparência de uma caça; o caçador vê e atira, só depois do dardo atingir o alvo o encanto é desfeito, e eis que ele se dá conta que involuntariamente matou um dos seus.

Criatura similar é o Caipora, um ser com essas mesmas funções. Ele é um protetor da caça e ninguém tem sucesso no mato sem sua ajuda, portanto, é melhor não tê-lo como inimigo. O Curupira, esse pequeno duende também é um guarda-florestal avant la lettre. Além dos animais, ele se preocupa com as árvores. O Boitatá é uma cobra de fogo que entre outras atribuições, pune quem faz queimada, numa lógica de ferir com fogo quem com fogo feriu. A Tapiora parece uma inofensiva anta, o caçador incauto se aproxima mas é ela que dá o bote, é um ser híbrido com onça e possui a ferocidade do felino. Graças a que ela possui um cheiro de podre fortíssimo, isso serve como alerta para sua presença e ela só ataca quem desrespeita a natureza.

Por sorte esses monstros ao menos possuem uma lógica, eles contra-atacam. Porém temos a turma dos ataques gratuitos, bastando ter o azar de cruzar seu caminho. Muito antes do Chupa-cabra migrar desde a América Central até aqui, nossos índios já conheciam o Capelobo, uma espécie de vampiro antropomórfico, com cabeça aparentada à do tamanduá, e que usa desse bico para chupar o cérebro e o sangue de suas vítimas. O Mapinguari vive no fundo da floresta amazônica, tem o tamanho de um urso e possui uma boca vertical que vai do nariz até o umbigo. Come a cabeça de quem encontra e não adianta flecha nem bala, ele não sente. Não o enfrente, fuja! Espero que você nunca encontre a Onça-boi, uma onça ímpar. Ela tem os pés de boi, mas na ferocidade assemelha-se à onça e não o boi. Claro que com essas patas ela não sobre em árvore, mas não adianta subir numa, ela cava as raízes até derrubar a árvore com a vítima, ou então espera embaixo até que o infeliz caia fatigado, como ela caça em pares, uma sempre estará de plantão esperando. Os ogros gigantescos e antropófagos estão por todos os lados. Qual é o mais temido? O Gorjala, ou o Labatut?

Esses seres são masculinos, mas não espere dos femininos melhor acolhida. Para nossos índios tudo tem uma mãe, que é, ao mesmo tempo, a origem e o espírito protetor de todo e qualquer ser, tanto vivo com inanimado. Por exemplo, a seringueira tem uma mãe, é a Mãe da Seringueira e, é claro, vai se vingar se você derrubou sem razão um de seus filhos. Logo, qualquer agressão à floresta, mesmo ao menor de seus seres, pode ser vingada, por isso use-a com parcimônia!

Na água não estaremos mais protegidos. Fora o Boto, um Dom Juan amazônico, os demais seres encantados aquáticos são maus. A mais simpática é a Iara, versão nacional da sereia. Essa beldade seduz os incautos, que a partir desse encontro nunca mais serão vistos. Ela promete amor, mas traz a morte. Medonho mesmo é o seu ancestral, o Ipupiara, que não é exatamente um ser, mas um povo que habita o fundo das águas e só vem à tona para atazanar os povos ribeirinhos. Alguns dizem que são parecidos aos humanos, outros dizem que são monstruosos, mas não dão detalhes da sua aparência. Quando podem matam os humanos e comem as partes externas, dedos, olhos, orelhas, o nariz e abandonam o resto do corpo à correnteza. A Cobra-grande ou Boiúna aterroriza a todos, é uma cobra de proporções gigantescas, pode engolir canoas com todos seus ocupantes de uma vez. Além disso possui o poder da metamorfose, transforma-se por exemplo num barco, chega perto duma aldeia que acode para negociar combustível e comida com a tripulação, ela deixa que subam a bordo então submerge levando a todos.

É claro, essa divisão, entre o que é encantado e real, é nossa. Os habitantes da floresta a compreendem num só plano, onde o mágico é natural. Com essa concepção aprenderam a ocupá-la e estão lá há milênios, num equilíbrio harmônico. A dificuldade persiste para aqueles que, como nós, precisam se equilibrar entre o pensamento mágico e a razão e entre a natureza e a cultura. Não sabendo como transitar por essas fronteiras, abolimos a diferença: quer seja asfaltando a floresta, ou compreendendo-a como uma fonte bens naturais. Através desse pragmatismo, afastamo-nos de sua maior contribuição, que é a de ser a fonte de mistérios de que tanto necessitamos. As personagens dos contos de fadas sempre desapareciam para dentro de alguma mitológica floresta para lá realizar sua jornada de iniciação. Nossa cultura preservou esses cacos ancestrais através das narrativas folclóricas, onde a natureza ainda é mãe da magia com a qual precisamos recobrir o que nos é desconhecido e incompreensível. Por sorte ainda podemos brincar na floresta enquanto seu lobo não vem.

O Brazil desconhece o Brasil, por isso sub utiliza seu folclore. Quando penso em como preservar nossas florestas, uma das idéias é seguir esse caminho: aproximarmo-nos de seus mistérios, vendê-las como mágicas. Concebê-las não só como reserva de oxigênio e biodiversidade, mas como reserva ecológica de monstros e encantamentos. Fazer acreditar, por exemplo, que num relance poderíamos avistar um Saci. Funciona, todos temos dentro uma criança que só espera uma chance para acreditar em fadas.

Em 2007

19/11/07 |
(2)

Mas que baita segredo!

Reflexão sobre os mecanismos de eficácia da literatura de auto ajuda

Os livros de auto-ajuda andavam muito iguais uns ao outros, fazia tempo que um autor não se destacava entre a tediosa mesmice. Pois bem, a australiana Rhonda Byrne com O Segredo (Ed. Ediouro) conseguiu. Na verdade ela realmente não escreveu um livro, apenas juntou citações de vários colegas em torno de uma idéia. Como esses autores que vendem a chave do sucesso costumam apresentar-se como exemplo, o leitor pode ser levado a crer no valor do segredo que ela tem para revelar. Afinal, o livro e o filme fizeram a autora rica, conhecida no mundo todo, com uma vendagem estrondosa que segue surpreendendo.

Continue lendo…

01/11/07 |
(1)

As bandeiras que nos restam ou Até a pé nos iremos pela glória do desporto regional

Sobre os impasses da identidade gaúcha refletidos no futebol

Os gaúchos andam ultimamente muito ouriçados pelo futebol. Creio que mais do que de costume. Não é à toa, recentemente a dupla gre-nal têm produzido feitos realmente significativos, responderia prontamente qualquer um. O Internacional saiu do seu marasmo e abocanhou três títulos internacionais. O Grêmio, depois de naufragar na segunda divisão, ressurge das cinzas e é grande candidato à Libertadores com um time “peleador”, exatamente como nosso povo acha que deve ser.

Continue lendo…

10/06/07 |
(1)

Heróis de ontem e hoje

Sobre o filme 300 de Esparta

Partimos duma constatação, o filme 300 é um sucesso. Parte da crítica o odiou, eu não sei o que esperavam de uma versão juvenil da batalha de Termópilas, francamente inspirada numa versão em quadrinhos de Frank Miller. Como fui munido duma expectativa rebaixada, e sabendo que a ficção e os fatos se mesclam e alimentam-se mutuamente nesses casos, me diverti bastante. Certas passagens da história, por sua força exemplar, ganham contornos míticos, e como os mitos, elas resistem às piores traduções. Afinal estamos diante dum clássico da história ocidental, o heroísmo de Leônidas e seus bravos.

Continue lendo…

19/04/07 |
(0)