Deuses e astronautas
A fé e os discos voadores
Lido aos 16 anos, Eram os deuses astronautas, de Erich von Däniken, marcou minha adolescência. Hoje discordo de suas teses, na época encaradas com seriedade. Jung dizia que a fé e os discos voadores funcionam como uma gangorra. Por isso, quando a religião perdeu seu prestígio, surgiram os extraterrestres, a contribuição magna do século XX para o menu de seres fantásticos que nos assombram.
Este livro era uma resposta aos sempre presentes enigmas da origem. Segundo Däniken, o que nos tornou humanos e nos fez chegar onde chegamos, foi-nos oferecido por visitantes espaciais. Eles teriam feito parte do nosso passado, mas nossos tolinhos antepassados os tomaram como deuses. Apesar do acerto em pescar as questões quentes sobre a humanidade, a saída proposta resvala na superficialidade, confunde história e mito, e não resiste a uma crítica dos pontos de vista da arqueologia, história e antropologia. Enfim, uma simpática maluquice bem articulada.
Quando vejo o surgimento de novos mitos, lembro da minha relação com essas teorias mirabolantes, que foram presentes em um momento da vida cheio de inquietações. São teorias pseudocientíficas, conspiratórias, mitologia rala, vendidas como revelação, frente às quais tenho um certo incômodo e ao mesmo tempo empatia, já fui usuário.
A internet não as inventou, mas potencializa uma série delas, como a farsa da viagem à lua, vacinas que causam autismo, a AIDS que fora criada em laboratório, entre tantas. História e ciência levam muito tempo para serem entendidas, mais trabalhoso ainda é a coragem para enfrentar o desamparo de viver sem pensamentos mágicos. Infelizmente, a ciência não substitui bem a religião no item conforto espiritual.
Já a maioria das teorias conspiratórias, mesmo que tornem o mundo e o universo mais assustadores, podem ser repousantes. Paradoxalmente, é pior suportar o aleatório, o incompreensível, a sensação de ser apenas poeira cósmica. Levar fantasias a sério economiza estudo, pensamento, biblioteca e principalmente angústia. Ainda por cima elas somam o charme do secreto e transgressivo: seriam uma verdade da qual os poderosos estariam mantendo-nos alienados, mas nós enxergamos além. Supor que somos enganados é tentador, pois contém a ideia de que tudo têm explicação, apenas estamos alijados dela. Qualquer teoria, mesmo capenga, é preferível ao vazio de sentido com que podemos nos deparar.
O céu ainda me causa assombro, mas meu firmamento, para meu azar, ficou menos povoado. Sobrevivo sem deuses, anjos e astronautas, a fantasia teve que procurar outras moradas, mas eles me fazem uma falta!
Obrigado por enviar seus artigos para o meu endereço eletrônico. Gostei muito do seu artigo Deuses e Astronautas. Merece ampla reflexão. Concordo em parte ou até mudaria a redação da assertiva, trocando o “felizmente” pelo: “infelizmente a ciência não substitui a religião no item conforto espiritual” . É apenas uma outra visão. Quem cultua mitos e ídolos, parece-me, carece de certa identidade própria e até de autoestima, ao menos é o que penso. Alguém já teria dito, ou escrito: “Religion without science is lame; science without religion is blind” (ou vice versa). Um abraço. Neivo