Humor, coisa seríssima!
Como é que funciona o humor? Quais seus efeitos? Abrão Slavutzky explica e Mário Corso recomenda!
O humor é isso que todo mundo sabe o que é, desde que ninguém nos pergunte. Pois Abrão Slavutzky, autor de Humor é Coisa Séria (Ed. Arquipélago, 2014, – melhor ensaio de Humanidades Açorianos 2014) se pergunta. Quem conhece o autor sabe que ele gosta do tema, faz tempo que ele ronda com propriedade essa questão fazendo-nos pensar no assunto, mas agora chegou sua obra definitiva sobre a matéria.
Viver não é simples, nunca foi fácil e a felicidade é um artigo raro, essa é a crença dos psicanalistas, dessa premissa eles partem e pouco prometem. Como psicanalista que é, esse é o ponto de partida do autor. Sua tese é que entre as possibilidades de escapar das várias modalidades de sofrimento inevitáveis, o humor se destaca como uma das ferramentas mais úteis. Ele não é panaceia, cura para todos males da condição humana, mas está entre seus recursos um alívio para as dores inevitáveis da nossa triste sina, o que não é pouco.
De início o autor vai consultar a psicanálise, dever de ofício, mas se apoia em filósofos e literatos de todas as épocas para tentar cercar esse conceito fácil de perceber, mas tão difícil de explicar, que é o humor. A intuição nos diz que o humor nos ajuda, que põe óleo nas engrenagens da vida, mas como é mesmo que isso acontece e qual seu alcance, são as questões que o Slavutzky responde. É nesse ponto que o livro se mostra mais interessante, não é direcionado para psicanalistas. Embora dialogue com a psicanálise, o alvo é maior, é o público leigo que quer saber mais sobre si mesmo e sobre esse conceito. Afinal, não se trata de um recurso técnico, mas sim de um modo de ver a vida.
O autor nos lembra que a teoria inventada por Freud veio do nada e precisou criar um ar de seriedade para mostrar-se respeitável. Imagine que começou dando voz aos sonhos, às fantasias, aos desejos recônditos, falando do papel da sexualidade na vida, e pior, da sexualidade infantil. Isso já era subversão demais para o século XX em seu início, e em certos casos, segue sendo. Portanto, contra inimigos de toda ordem, a psicanálise se fez de mais séria do que era para poder ser aceita. Apesar disso, entre os primeiros escritos do mestre vienense o chiste ganhou destaque, centenas de páginas explicando sua intimidade com as manifestações do inconsciente.
Em busca de uma apresentação formal, na prática clínica dos psicanalistas com seus pacientes adultos toda possibilidade de brincar acabou ficando relegada a um plano menor. Uma interpretação, por exemplo, é uma mudança brusca de sentido: algo que se acreditava ter um significado acaba sendo lido de outro modo a partir da fala de um analista. Ora, às vezes isso provoca uma gargalhada mesmo que estejamos falando de algo grave sobre a vida do paciente. Provavelmente a intenção do analista nem era essa, mas pela peculiaridade do paciente o riso brota. É essa dimensão que o autor quer resgatar, mostrar como uma analise pode ter momentos divertidos sem que os efeitos sejam menos importantes. Em certas ocasiões, a única cura possível é rir daquilo que antes nos fazia sofrer.
Existe uma piada que fala mais da natureza da análise do que os analistas gostam de admitir. Ela é assim: um sujeito encontra seu amigo e lhe pergunta como vai. Sabe que ele tem problemas, mas que agora vai ao analista. O amigo lhe responde que tudo vai bem, que está ótimo, melhor que nunca. Ao que o primeiro lhe pergunta: deixaste então de te cagar nas calças? E o amigo responde: que nada, sigo me cagando, mas nem me importo!
A piada é precisa, fala de como muitas vezes o que muda numa análise, – e porque não dizer, na vida – não é a realidade fática, mas sim a condição de como encaramos o sintoma. O que fica diferente num segundo momento é como a realidade que nos desfavorece é recebida. Não a alteramos e sim aprendemos a conviver com ela com bom humor. Ora, uma análise pode até ser bem mais do que isso, frequentemente mudamos radicalmente comportamentos, destinos tomam rumos diferentes quando questionados. Só que isso não precisa ser grave nem triste, há ocasião para as lágrimas, mas também para o riso. Em certas ocasiões, temos que ser sinceros, só é possível conquistar um golpe de humor sobre uma desgraça da qual não conseguimos escapar e isso já é melhor do que nada.
Não passa despercebido ao autor que o humor tem seus aspectos perigosos, especialmente quando exageramos na autocrítica, mesmo que esta tenha seu lado aparentemente bem humorado. Ele lembra que muitos comediantes que fizeram sucesso falando mal de si mesmos, desdenhando suas origens e hipertrofiando seus defeitos de maneira cômica, terminaram seus dias numa depressão ou acabaram suicidando-se. Em resumo, usado de qualquer maneira, e exagerando na dose, rir de si mesmo pode dar vazão a uma pulsão auto-agressiva letal. O humor é uma saída, mas não a única.
Abrão nos demonstra como humor é um termômetro da liberdade que existe dentro de uma família, de uma instituição, de um governo. O índice não falha, se podemos debochar de tudo, se não existem assuntos tabus, estamos num espaço livre. Os ditadores, os autoritários de todas as seitas, sabem bem do poder corrosivo do riso, por isso o proíbem.
Ao terminar de ler o livro, o que nos fica é uma ideia de que o bom humor é um estilo a ser cultivado, uma estratégia de sobrevivência. Há um caminho para uma existência menos penosa e passa por ele. Não é pouca coisa neste nosso tempo viciado em antidepressivos, que tem a tristeza como bicho-papão. A ambição do autor tem dois vetores, primeiro é nos ganhar para o lado terapêutico do bom humor na vida cotidiana. Segundo é desfazer a ideia de que a verdade obtida pelo humor seria menor. São milênios de desdém sobre o humor e suas consequências, o título é bem explícito – vamos levar o humor a sério. Mas é claro que para isso, se o paradigma do humor for mesmo incorporado e entendido, dentro de sua lógica paradoxal, ninguém precisa ficar tão sério assim!