Livros impróprios ou pais censores?
A literatura nunca é perigosa, muito pior é o silêncio censor.
Pergunte a um professor de literatura do ensino médio qual é o seu maior dilema em aula e a resposta provavelmente será: quais livros devo sugerir para serem lidos e debatidos. Mas atenção, a questão não é que o professor não tenha suas escolhas e preferências, seus livros de estimação, o ponto é como não ferir suscetibilidades, principalmente dos pais da garotada e raramente dos seus alunos. Se o assunto é sexo o campo é sempre minado. O resultado é que os professores se autocensuram e escolhem obras menos polêmicas, enquanto os jovens precisam buscar informação sobre sexo em outros lugares. Geralmente em becos bem mais escuros e a sós.
Saber é poder e no que toca ao sexo, nessa idade, vale como nunca, por isso os adolescentes são tão ávidos por obras que lhes forneçam alguma informação. O desafio de sua vida nesse momento é fazer laços afetivos entre seus pares que os ajudem a se desgrudar do amor dos pais. Ora, sexo, erotismo e amor se confundem na cabeça do nosso jovem, ele está a mercê de uma certa fascinação e da supervalorizada expectativa que temos sobre a questão. Seria útil se houvesse um manual de instruções, ainda que fosse vago, impreciso, imperfeito. A questão é que, por sorte, os manuais não funcionam, seu alcance é limitado.
A leitura poderia ajudar, existem obras da literatura que não fogem da raia, que tratam da questão. Como essas raramente são adotadas, os jovens as descobrem sozinhos, ou no boca boca e as leem sem discussão, ou então só com o entusiasmo dos amigos. A literatura tenta ensinar aquilo que nem os pais nem a escola conseguem. Ela mostra como a vida é complicada, como nossos pensamentos que parecem anormais são corriqueiros. Ela nos deixa menos sós, não somos os únicos a sofrer de angústia sem explicação, há outros que se sentem perdidos e sem rumo, que fazem besteiras sem saber a razão. A boa literatura é o único espelho dos abissais que são a diversidade e complexidade humanas e sua tênue fronteira com a loucura. Ela ajuda a pensar certos comportamentos, fornece novas palavras para sensações enigmáticas, renova a linguagem corrompida pela fala materialista e burocrática da política e da propaganda, funda mundos imaginários para descansarmos do presente. A riqueza de um texto tem o dom de recriar a linguagem envenenada pela banalidade do pensamento obscurantista daqueles que sabem o que é bom para os outros. Ela não necessariamente nos salva, mas fornece boas pistas para achar o fim do labirinto da adolescência.
A literatura adoraria ter tanto poder formativo como acreditam seus censores. Especialmente no sexo, é bom esclarecer que ela não cria fantasias sexuais, apenas fornece cenários que enriquecem e polemizam certas questões. Ninguém vai se tornar pervertido por saber que isso ou aquilo se faz. As fantasias que comandam a vida sexual já estão construídas num adolescente, apenas ele não as explicitou, não as explorou. Confunde-se a descoberta da própria sexualidade com a sua formatação que vem da infância. Não é sem influência, mas é como colorir um desenho que já está feito.
Na mesma linha de raciocínio: recorte algo que existe na realidade e todos conhecemos, coloque isso num lugar público visível e está feita confusão. Pode ser um beijo gay, o sexo mais banal de um casal, um adolescente fumando maconha, enfim, desejos e comportamentos nem tão incomuns ou obscuros. No julgamento de quem censura, tudo deveria permanecer oculto, como se a exposição do já existente justificasse e legitimasse esse fato.
Os pensamento censor acredita que a literatura, a propaganda, a novela não são amostras das várias formas de ser, pensam nelas como autorização e convocação à imitação. Na verdade só cumprem a função provocativa que abre portas para discutir o assunto. A questão é: quem tem medo de uma discussão? A reposta é óbvia: quem não tem argumentos senão escudado na suposta autoridade dos que pretendem nos livrar da perdição. Esses mesmos que veem o público como uns desmiolados que só esperam um exemplo para seguir.
Com o acesso à internet, hoje disponível na maioria dos lares, qualquer jovem encontra pornografia, apologia às drogas, incentivo ao suicídio, e qualquer outra bestialidade imaginável. Mas o detalhe: ali ele está sozinho, sem um adulto, sem um guia que o ajude a discriminar o que serve do que é lixo, do que destrói sua sensibilidade e embota sua inteligência.
A adolescência é um momento sem bússola. Longe de seus antigos pais protetores, que com o fim da infância perderam seus poderes, melhor deixar que eles ao menos estejam perto de alguém que já tenha mais estrada na vida. Os mestres e seus livros podem ajudar a lidar com o peso das exigências do sexo. Confie nos professores de literatura ou nos professores e orientadores que não fogem dessas discussões em aula. Talvez eles não tenham a mesma opinião que você, mas é um adulto tentando uma ponte para ajudar neófitos a discernir o sublime do vulgar no açougue que o sexo pode vir a ser para nosso adolescente. Se evitarmos as obras sobre sexualidade e erotismo nos currículos, vamos deixar que o único professor de nossos filhos na educação sexual seja a pornografia.
Texto maravilhoso< Mario. Indicaremos o link a partir de agora em nossas conversas com coordenadores e professores pelo Brasil afora: água mole em pedra dura… Muito obrigada por tão excelente articulação de ideias nas quais acreditamos!
Um abraço,
Annete Baldi
(Editora de livros que tratam desses assuntos que as escolas bloqueiam muitas vezes)