Vou estar verificando

O que aprendemos com o telemarketing…

Se existe uma unanimidade nesse mundo tão díspar é a má vontade com o telemarketing. Tenho uma tolerância maior e aponto minhas razões.

A primeira é a o acréscimo gramatical inegável que eles nos legaram. Não foi Machado, nem Pessoa, nem ao menos um criador de palavras como Guimarães Rosa quem nos trouxe o encontro triverbal. Nunca antes usamos três verbos juntos como nesse exemplo prosaico: vou estar verificando… Como chamar isso? Talvez o professor Claudio Moreno possa nos dizer, seria promessa de gerúndio, ou presente gerundiado, ou ainda gerúndio do gerúndio?

A segunda é a percepção que o Brasil é grande. Já recebi ligações que começam com um boa noite estando com uma luminosidade plena na janela. Isso demonstra que meu interlocutor está numa latitude acima. Relembro das aulas de geografia e da inclinação do planeta.

A terceira é um exemplo positivo de ética do trabalho. Dizem que o brasileiro é preguiçoso, que nada, para essa legião isso não existe. Nunca é tarde ou cedo para ligar, sábados, domingos e feriados tanto faz. Isso nos passa uma ideia de que sempre é uma boa hora para trabalhar.

Um brinde adicional é a sonoridade. Podemos ouvir várias versões da nossa língua e um jogo extra: de onde será nosso atendente? É uma delicia ver nosso português ser mastigado em várias possibilidades. Palavras comuns ganham sons exóticos, acentos impensáveis.

Acima de tudo eles nos massageiam o ego. Seja sincero, quem mais te liga para dizer que você é uma Personnalité que merece ser cliente Platinum Gold Safira Plus? Nem nossa mãe. Só a moça do Wizardcred acredita no teu glamour.

Pense do desenvolvimento do autocontrole que é ficar duas horas a meia sendo passado de um atendente a outro, anotando vários protocolos de 36 dígitos, declinado o CPF o e RG para todos e depois cair a ligação. Nem no budismo conseguem tanto.

Mas se você é desses, que tem vontade de mandar o ser humano que está do outro lado da linha visitar sua progenitora, acrescido da suposição de que a mesma trabalhe em uma profissão ligada ao sexo com valor moral discutível, vai um conselho. Pense que o interlocutor pode ser um jovem, provavelmente no seu primeiro emprego – numa função que não gostaria – que tem um supervisor que lhe cobra insanamente produtividade. Ele veio de família humilde, está naquela idade em que ainda temos sonhos e nos orgulhamos de ao menos ter um emprego. Mesmo inoportuno ele não merece nosso mau humor. Pense que vocês dois são prisioneiros de uma engrenagem burocrática, impessoal e desumana que transcende a todos. Se o mundo chegou a ser assim: que cidadania é comprar, convenhamos, não é o rapaz do telemarketing o culpado.

07/06/14 |
(5)
5 Comentários
  1. miriam permalink

    Vou estar me repensando

  2. Angela Brasil permalink

    Vou estar verificando que vc é mega plus ultra um amor de pessoa, querido Mário!
    Bj

  3. Juliana Falcão permalink

    Haha ótimo texto! Lembrei de um livro do Chuck Palahniuk (autor de Clube da Luta), o título é Condenada. É narrado por uma adolescente de 13 anos, que morreu e está no Inferno. Segundo ela, um dos únicos empregos disponíveis no Inferno é o de operador de telemarketing. Ela explica que existe todo um sistema no Inferno que identifica quando estão acontecendo refeições ao redor do mundo (dos vivos), e que eles só são autorizados a ligar quando está acontecendo um almoço ou jantar na casa de quem irá atender o telefone. “Acredite em mim, a maioria do povo de telemarketing que liga para você está morta”.

  4. Patrícia permalink

    concordo totalmente..

Comente este Post

Nota: Seu e-mail não será publicado.

Siga os comentários via RSS.