Um violinista em Auschwitz
Sobre o vídeo
“Viemos das cinzas, agora dançamos”. Com essa frase o Sr. Kohn, um sobrevivente do holocausto, agora com seus 89 anos, defendeu a iniciativa que está provocando polêmica no youtube. Acompanhado de sua filha, uma artista plástica que idealizou o vídeo, e de três netos, Kohn dançou “I will survive” nas dependências dos campos de concentração de Auschwitz, Terezin e vários outros locais onde os judeus foram supliciados.
Muitas pessoas se sentiram incomodadas. Considerando a dança desrespeitosa com quem sofreu lá, pois eles teriam feito algo equivalente a dar uma gargalhada num funeral. A visita aos campos costuma produzir lágrimas e uma enorme desolação pessoal: vê-los é encarar o lobo do homem demasiado perto. Imagino que não deve ter sido fácil dançar lá, o que torna o gesto dessa família mais político, um ato significativo.
Torcedoras
Sobre mulheres no futebol
Existem mulheres que genuinamente gostam de futebol, infelizmente não estou entre elas. Muitos acham que é um embuste, um subterfúgio feminino para aproximar-se “deles”, invadir a reserva ecológica dos maridos. Mas os fatos são eloqüentes: hoje, discussões que envolvem termos como meia esquerda e ponta direita, a escalação do time adversário no campeonato passado, os cabalísticos números 3-4-2, 4-4-2, assim como as incompreensíveis tabelas, incluem um número crescente delas; além disso, os times femininos de futebol já ocupam espaço nas canchas e elas levam a sério seu esporte. Céticos insistem que isso é mimetismo com os nativos do futebol, os machos. Elas deviam ater-se a esportes que incluam saltos de gazela e shortinhos, sem encontrões e caneladas. Na dúvida, assista a um bom jogo de vôlei feminino para ver toda a “delicadeza” requerida. Continue lendo…
Quem ama até mata
Sobre crimes coletivos cometidos por amor
Certos senhores chineses, gravemente desequilibrados, deram para invadir escolas primárias e agredir a marteladas e ou facadas todas as crianças que conseguirem atingir. Este ano já foram quatro ataques. Esses eventos provocam o mesmo estarrecimento que as chacinas de jovens estudantes promovidas por colegas, que comovem os Estados Unidos com freqüência.
Quando alguma tendência desagradável se repete em nossa vida, seja um ato, uma enunciação, um tipo de vínculo, enfim, nos pegamos insistindo em fazer algo que nos é prejudicial ou estranho, chamamos isso de sintoma psíquico. Continue lendo…
O sótão
Sobre memórias
A morte de uma paciente aumentou meu sótão. Quando ela partiu (a idade a levou), fiquei em seu velório um tempo, em pé, perdida. Não sou da família, tampouco amiga, a única pessoa ali com quem eu falaria seria ela própria. Provavelmente comentaríamos a bonita despedida que estava recebendo, mas creio que ela sabia que seria assim. O problema é que fiquei com as lembranças que ela deixou em mim e sei que ela nunca mais vai buscá-las. É assim com meu trabalho de psicanalista: guardamos milhares de histórias, personagens, sonhos, que em geral ficam ali, empoeirados. Não quer dizer que fico pensando nisso, aí não seria sótão, seria cristaleira: aquelas coisas que se tira o pó, usa-se em ocasiões festivas, olha-se de vez em quando. Sótão é para guardar as coisas que se tornaram inúteis, não se quer mais, mas tampouco ousaríamos jogar fora. Continue lendo…
Nadie te quita lo vivido
Sobre a dificuldade de aproveitar o dia
Da maior parte das janelas do meu apartamento possuo uma detestável vista para as casas dos vizinhos, e tenho certeza que, como eu, eles lastimam tanta proximidade. A exceção é para as janelas de lado, as quais se abrem para um belo e imenso plátano que domina o terreno baldio vizinho. Ele é o descanso dos olhos, mas também o problema: esse terreno lateral tem dono e vivo em sobressalto frente à possibilidade de ver minha árvore querida substituída por mais um conjunto de detestáveis janelas. Mas isso não aconteceu, ainda, talvez nunca, sei lá. Continue lendo…
Mães de porta de escola
Sobre a culpa das mães ocupadas
Na porta da escola das minhas filhas, incontáveis vezes, escutei as outras mães combinando horários, prazos e conteúdo de trabalhos dos filhos, assim como resultados de provas, ou dificuldades em realizar determinada tarefa, como se fossem suas. São elas que chamo de mães de porta de escola. Isso sem falar nas feiras, exposições ou quermesses, para as quais eu sempre chegava com os itens solicitados, mas saía com a sensação de que não era bem isso. Participei como pude da gincana de horários e tarefas a que os pais são submetidos, nas apresentações musicais, de teatro, nas festas religiosas e apresentações que frequentemente eram feitas no meio da semana e do expediente. Continue lendo…
Faltou resiliência
Sobre a fragilidade psíquica dos jogadores da seleção
Utiliza-se o termo “resiliência” para designar a capacidade que algumas pessoas teriam para resistir às provações sem sucumbir ao desespero, sem destruírem-se internamente quando algo no exterior lhes abala a integridade. Resilientes seriam os que sobrevivem psiquicamente aos diversos tipos de catástrofes pessoais e sociais, como traumas, torturas, deportações, perdas, abusos e maus tratos. Apesar de marcados por essas experiências, elas não os impedem de retomar uma vida relativamente normal. O conceito original vem da física, fala da capacidade de um material para resistir a choques, conservando sua forma original. Continue lendo…
B@bel
Sobre uma campanha na internet em tempos de Copa
A internet é nova Torre de Babel, onde todos querem a comunicação universal e acabam dando espaço para mal-entendidos de proporções globais. É um meio onde a informação avança sem tempo para certificar-se de sua procedência, nem refletir sobre seu caráter.
Uma divertida confusão anda circulando ao redor do mundo: estranhados com a difusão de uma frase – “cala a boca Galvão” – divulgada no Twitter e associada à presença dos brasileiros na Copa do Mundo, vários estrangeiros se interessaram em saber o que ela significa. Foram erroneamente informados por um vídeo postado no youtube que “cala a boca” quer dizer “save” e “galvão” é um pássaro raro em vias de extinção. Continue lendo…
Sonata de Outono
Sobre filhos ressentidos
Amor de mãe é coisa muito bonita, da qual muito se fala nestes dias de outono, mas sua ausência pode tornar-se uma verdadeira obsessão para um filho. Notamos que quanto mais um filho for compulsivamente dedicado à sua mãe, quer seja na prática ou nos pensamentos, tanto menor será sua certeza de ter sido amado por ela. Se o vínculo materno-filial for consistente, seus protagonistas poderão tomar distância um do outro, sem pensamentos doentios de preocupação ou mágoa. Amor de mãe é como uma pedra fundamental: se a qualidade dessa base for pouco sólida, ao filho caberá preencher essa falha através de uma convocação interminável para que a mãe, ou mesmo as memórias dela, lhe ofereçam o sentimento de consistência que lhe falta.
Sexualidade colorida
Sobre as pulseirinhas do sexo
Quem busca um profissional do sexo muitas vezes combina o que quer comprar, e isso faz parte da objetividade do negócio. Parece que isso encontrou uma expressão entre os mais jovens, através de pulseirinhas do sexo: adereços de plástico coloridos que, quando rompidos pelo garoto, com o consentimento da menina, indicam que ela estaria disposta a praticar com ele desde um abraço até um ato mais ousado, designado conforme o código de cores. Eis a sexualidade, organizada conforme os códigos diretos da mercadoria, adaptada para tempos da vida cada vez mais precoces.