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É sempre virtual

Sobre o filme Mary & Max

Durante a adolescência, invejava os amigos que mantinham correspondência regular com alguma pessoa em outra parte do mundo, com a qual geralmente nunca se encontravam, e ainda em inglês ou francês, muito chique. Apesar do amigo por correspondência ser um hábito antigo, quando começou a grande onda da internet havia muita inquietude, por parte dos não usuários, relativa aos diálogos virtuais com objetivo de amor, amizade e divertimento. Continue lendo…

31/10/10 |
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O Profeta

Crítica do filme

O Profeta, filme dirigido por Jacques Audiard, é uma produção francesa, da história de Malik, um rapaz de origem árabe, que amadurece dentro de uma cadeia, sendo que passa boa parte do tempo ligado à máfia da córsega. Filme falado em três línguas, transcorrido entre as grades quase todo o tempo, violento, com gente nada bonita, sujo e…belo. A fotografia é imperdível, grandes planos de rosto, como nos filmes de Van Sant. Filme confuso, onde se mistura o objetivo com o subjetivo de forma muito sutil, e tocante. Mas o importante mesmo é que é um romance de formação: o garoto entra no lugar como órfão, parece ser um transgressor renitente, apesar de que não ficamos sabendo muito bem o que ele fez, nem isso tem importância.

Ao longo de seus anos de cadeia vai aprendendo, é adotado e escorraçado por um líder corso, obrigam-no a matar, encontra quem o incentive a estudar. Entra menino e sai homem, construído a partir de uma colcha de retalhos de experiências e identificações, feito de atos ousados, de rompimentos, de escolhas. No final, de um modo muito enviesado é ao mesmo tempo árabe, mafioso, instruído. É possível isso?

Afinal, o sistema carcerário e as más companhias não fabricam somente indivíduos

toscos, assassinos, psicopatas, gente que só pensa em rapinar e satisfazer-se? Como é fácil pensar assim, ficamos nós aqui e eles lá e o mundo devidamente compartimentado. Mas não é o caso, no presídio, como na vida, a formação de um indivíduo é complexa e pode levar a muitos destinos. Entre os psicopatas que moram nas cadeias, os garotos que crescem em reformatórios, como Malik, há um trabalho de fazer-se a si mesmo onde se colhe experiências, planta-se atos e das conseqüências disso resultam indivíduos diferentes, de destino imprevisível e subjetividade complexa.

Talvez essa seja uma importante lição para que possamos aprender a lidar com a população carcerária, foco de gastos públicos, desprezo e temor coletivos e símbolo da desesperança. Cada uma daquelas pessoas tem uma trajetória de vida e faz com ela o que consegue, compreende-la e coloca-la em questão deve ser um complemento necessário da reclusão. Por que alguém seguiu, se aliou ou identificou com determinadas pessoas? Na resposta a essas perguntas está a história de uma vida, de Malik e de tantos outros com os quais não queremos nos encontrar numa esquina escura.

Publicado no blog “Terra do Nunca” em 31 de julho de 2010

30/10/10 |
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Maturidade

Sobre aniversariar cinco décadas

Era inevitável, mas eu não esperava que fosse tão cedo: fiz cinqüenta anos. Não se trata de surpresa, mas sim de aceitação. Pisquei os olhos e passou uma década, foi rápido não por terem sido anos insignificantes, foram bons, talvez dos melhores da minha vida. Tenho cabelos brancos desde moça e faz muito que deixei de cobri-los com tinta, mas só agora começo a temer que eles acabem combinando com o resto, pois a jovem que espero encontrar no espelho já não comparece lá. Não sou uma exceção à regra: vivemos tempos de obsessão com a juventude, ninguém aceita fácil ser adulto, carecemos do tempo em que nos sobravam idealizações e promessas. A existência que nos toca parece curta para tudo o que esperamos dela, mas a dificuldade de reconhecer-se adulto talvez não se restrinja a isso.

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27/10/10 |
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O canto das betoneiras

Sobre nossa relação com a cidade

Quem vive na cidade pode ter como esporte acompanhar uma obra. Edifícios altos são minhas preferidas. Gosto dos guindastes enormes, o empilhamento sucessivo dos andares, os esqueletos que se preenchem, e pior, alguns de seus barulhos já nem me irritam. Logo que a construção fica pronta, há o tráfego dos caminhões de mudança, a curiosidade sobre os novos vizinhos. Quando em obra, um imóvel é móvel, em transformação, é uma parte mutante da paisagem. Depois do prédio pronto perco o interesse, quando muito restam janelas iluminadas para supor-lhes alguma vida interior. Continue lendo…

13/10/10 |
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Aproveitando o leite derramado

Sobre narrar a própria vida

Tinha tudo impresso, mas li mal os dados e perdi o avião. Alguns telefonemas depois, desmarcados os compromissos, finalmente parei de me martirizar por ser tão distraída e descobri que tinha uma manhã livre. Porém, na balbúrdia do aeroporto não havia clima para ler o livro sobre psicanálise da depressão que carregava comigo, já estava bem deprimida com minha trapalhada. Na livraria, o título providencial do último livro de Chico Buarque – Leite Derramado – foi um encontro revelador.

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10/10/10 |
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O benefício da dúvida

Sobre a relação com o sucesso

As revistas de divulgação científica andam preocupadas com nosso sucesso. Ou melhor, nós é que andamos obcecados com o assunto e provocamos o sucesso dessas pautas. Numa delas (Mente & Cérebro), um artigo defende uma posição interessante: explica que para chegar “lá” é preciso ter foco, mas também é necessário de certa forma perdê-lo. Trata-se de um estudo onde dois grupos de voluntários cumprem a mesma tarefa, sendo que um deles simplesmente recebe as instruções do que fazer e lança-se em sua resolução. Enquanto isso, um segundo grupo é instigado a perguntar-se se deseja desempenhá-la e se acha que conseguiria. A maior eficiência foi revelada por parte daqueles que puderam duvidar e precisaram escolher fazê-lo, do que pelos outros, que teoricamente começaram focados. O contraponto entre os “mais decididos” e aqueles que precisaram buscar uma “inspiração interna” levou os estudiosos a afirmar que o sucesso Continue lendo…

06/10/10 |
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Pobre Rottweiler

Sobre altruísmo

No meu caminho não tinha uma pedra, tinha um rottweiler. Ele montava guarda em um estabelecimento comercial que fechou, era um desses cães de aluguel. Meu problema é que sempre me emociono por coisas ridículas e erradas e isso novamente aconteceu. Não podia vê-lo ali em seu território inóspito, amarrado e solitário que me cortava o coração. Muitas vezes, a caminho do consultório, cheguei a atravessar a rua para não sofrer. Para piorar as coisas, na calçada em frente ao lugar guardado pelo animal acamparam vários moradores de rua, vivendo ao relento entre trapos e restos de comida espalhados. Seria deles que eu deveria me compadecer, mas não vou mentir, meu coração amolecia pelo rottweiler abandonado. Continue lendo…

02/10/10 |
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Saudosa senzala

Sobre classes sociais

O Brasil mudou muito nesses últimos anos e nem todos prestamos atenção ou nos demos conta, para bem o ou para mal não somos os mesmos. Especialmente as classes C e D são as novas protagonistas num país que não estava acostumado com isso, agora elas compram, estão mais visíveis. Pequenos detalhes, como ter um telefone que era caro e difícil, hoje é barato e banal, estão acessíveis a geladeira nova, a TV maior, o trânsito está entupido por novos carros. Prestações e carnês enchem as lojas e esvaziam as prateleiras. Continue lendo…

29/09/10 |
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Os mistérios do mar

Relação com o mar como metáfora de modo de vida

Nasci na beira do mar. Não do tipo cálido, com águas amigáveis, quentes e transparentes. Mas de caráter revolto, gelado, cheio de opinião e mães d’água: o mar do Uruguai. Lembro dos invernos em que ele desbordava a praia, engolia calçadas, do frio salobro, das histórias de turistas afogados, que os nativos da praia adoravam contar. Por isso, ao contrário de uma familiaridade inata, desenvolvi com ele uma relação de cautela, um respeito distante, marcado pelo temor e a admiração. Eu e o mar nunca fomos íntimos. Continue lendo…

15/09/10 |
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Intempestivo

Sobre o significado virtual das palavras

Concordo com o Prof. Dr. em Lingüística Aplicada e Semântica Profunda Fernando Veríssimo quanto ao tipo de relação que devemos ter com as palavras: “a gramática precisa apanhar todos os dias para saber quem é que manda”, diz ele. Quanto a mim, também tenho minhas birras com as palavras e suas regras. A pior delas é com o significado de “intempestivo”. Continue lendo…

18/08/10 |
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