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Casamentos inesperados

sobre a legalização de uniões não convencionais

Os amigos atônitos queriam saber se estávamos casando para usufruir de algum benefício legal, algum convênio. Não era o caso. Tampouco fomos pressionados por exigências familiares. Era teimosia, queríamos ter a condição de casal perante a lei e a nós mesmos e tínhamos pressa. Já fazia algum tempo que havíamos juntado os trapos (naquela época isso era meio literal), mas o casamento era a autorização para sonhar a longo prazo, uma forma de afastar o fantasma da dissolubilidade iminente do vínculo amoroso. Já havíamos passado por uma separação, aprendido o necessário, sofrido nosso quinhão e bastava. Casar é um ato de rebeldia contra a fragilidade das relações, uma negação.

Os companheiros do movimento estudantil concluíram que havíamos entrado para o campo da burguesia, a família aceitou sem entusiasmo. Casamos num cartório feioso, os amigos reunidos num churrasco se cotizaram para comprar uma luminária, de papelão e pano. As tias, às quais brincando eu exigi que trajassem longo, se vestiram de prenda e terminamos cantando tango, muito bêbados. Mais de um quarto de século depois, acho que deu certo, até agora pelo menos.

Neste fim de semana fui ao lindo casamento de duas amigas, elas também viviam juntas há um tempo, mas desejaram formalizar. Na ocasião, com o casal de amigos que partilhava a mesa conosco, fizemos planos para o casamento deles, para ele, o terceiro, um filho de cada relação anterior. Se é certo que os casais gays se amam e unem contra tudo e todos, os casamentos após separações também encontram narizes torcidos. Ambos são uniões fora dos padrões clássicos, graças a isso já nascem ao abrigo do ideal de perfeição, cada dia juntos é uma conquista, uma birra, não uma convenção.

Mas então para que casar? Minha geração apostava no fim dessa formalidade, que hoje se revela viçosa como nunca. A razão é que assim como precisamos do olhar dos outros para saber que existimos, os amores também precisam circular socialmente para consolidar-se. Não somente nossa auto-imagem é mais “exo” do que “endo”, nossos vínculos também são. Amores precisam da benção, não de um padre, mas de todos os outros: pais, filhos, amigos e parentes, com quem também temos relações amorosas. Casar é escolher-se um ao outro, colocando-se esta relação acima de outros vínculos. É uma traição à família e aos amigos, por isso é preciso que eles celebrem e aprovem. Eu aposto nessas relações que nascem no contrafluxo: praticam a tolerância mútua na cotidiana adaptação ao que nunca está onde deveria. Devíamos todos aprender com elas.

16/03/11 |
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Histórias de amor impossível para fantasiar

Sobre a diferença entre viver e fantasiar

Na chamada de capa de uma revista feminina anunciam-se: “histórias de paixão proibida para ler e fantasiar”. Decepção, os casos contados são menos empolgantes do que o título promete. Mas é uma publicação bem comportada, não deveria esperar fantasias lúbricas. Um padre que largou a batina, um patrão solteirão, um primo mais jovem, todos terminando em casamento e era isso. Quando desmascarada, uma história sempre perde o encanto, por isso jamais saberemos se Capitu traiu, essa é a magia de Machado.

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03/03/11 |
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De Patinho Feio a Cisne Negro

Sobre o filme Cisne Negro

Todo Patinho Feio teme nunca acordar na pele de um cisne. Só temos a coragem de ler para crianças essa trágica história de Andersen porque antecipamos o final feliz, já sabido por todos. Hoje vejo nas fotos que fui uma menina até bonitinha, mas apesar de filha única e paparicada lembro bem como me sentia insignificante e sem atrativos. Continue lendo…

16/02/11 |
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Boa trégua!

Sobre férias e o livro A trégua

Quando a vigência dos campos de concentração chegou ao fim, os sobreviventes, prisioneiros de várias partes do mundo, começaram a abandonar a Polônia. Alguns partiram rumo ao que restara de seus países, famílias e casas. Outros, que haviam perdido as referências e esperanças, procuraram outros destinos ou a terra prometida de Israel. Nesse momento, por dentro dos cenários de destruição e confusão que caracterizavam a Europa do pós-guerra, vagava um grupo de italianos provenientes de Auschwitz, do qual fazia parte o escritor Primo Levi.

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02/02/11 |
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Tornar-se pais

Sobre o livro O filho eterno

“Sente uma vergonha medonha de seu filho e prevê a vertigem do inferno em cada minuto subseqüente de sua vida. Ninguém está preparado para um primeiro filho, ele tenta pensar, defensivo, ainda mais um filho assim, algo que ele simplesmente não consegue transformar em filho.”

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19/01/11 |
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Famílias na traseira dos carros

Sobre a família contemporânea

Divirto-me no trânsito imaginando como poderiam ficar as famílias de bonequinhos, desses adesivos colocados na traseira dos carros, caso representassem a pluralidade da realidade. Em cada veículo elas são montadas conforme o caso: são colados bonequinhos para os pais, para os filhos, conforme o sexo e idade, além dos animais de estimação. Na minha infância o enfeite de carro mais comum era um imã para fixar no painel (sim ele não era de plástico) no qual uma fotinho do filho era colocada ao lado da frase “não corra papai!”. Não que fosse possível correr muito na época. Os atuais adesivos que representam a família que utiliza o veículo também tentam lembrar as vidas que devem ser preservadas neste trânsito selvagem. Esses bonequinhos tentam humanizar a lata que conduzimos.

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05/01/11 |
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Provas e provações

Sobre rendimento escolar

Para mim já acabou, como criança que fui e até como mãe, mas doeu nas duas pontas. São as incertezas do fim do ano escolar, o medo de não passar, o pânico do vexame de rodar, da opinião do professor, a necessidade de provar o que não temos certeza se sabemos ou se, caso saibamos, conseguiremos demonstrar.

Todas as professoras de matemática que tive foram uma provação, sua matéria continua até hoje insondável para mim. Uma delas, recentemente encontrou minha mãe na rua e, ao ser informada de que eu não havia fracassado na vida, não pôde conter sua surpresa: – “então ela deu em alguma coisa!” Continue lendo…

22/12/10 |
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Fora de si

Sobre o sofrimento nas separações amorosas

Um amor se mede e se legitima pelo tanto de fora de si que exige dos envolvidos. Porém, assim como a felicidade às vezes se revela na ausência, pois quando tristes nos damos conta das ocasiões em que éramos felizes e não sabíamos, existe algo do amor que se explicita pela negatividade. É no discurso da perda, no tipo de dor que só ele é capaz de produzir que descobrimos alguns de seus segredos. Continue lendo…

24/11/10 |
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Ventre livre

Sobre a legalização do aborto

Nesta campanha eleitoral, na qual duas fortes candidatas eram mulheres, discutiu-se o aborto, mas com poucos resultados. O acento ficou em torno das questões religiosas, as quais consistem na abordagem menos produtiva e cuidadosa para a realidade que envolve a interrupção da gestação e os cacos que terão que ser colados depois de sua passagem. Ninguém é entusiasta do aborto, mas qualquer um que já trabalhou em saúde pública sabe que ele é uma sofrida realidade que envolve milhares de mulheres, e sermos contra ou a favor praticamente não interfere na maioria das condutas.    

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10/11/10 |
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Espelho abjeto

Sobre a relação das mulheres com as baratas

Fabrício Carpinejar reclamou em sua última coluna que, após o pai ter abandonado o lar, a mãe o deixou com a indigna tarefa de exterminar as baratas. Julgou que ela só lamentara na separação ficar a mercê dos insetos, “pensava que o pai era um inseticida”. Ele deveria ter ficado grato: essa missão equivale ao cargo de general dos exércitos dela, melhor cavalheiro da távola do rei. Continue lendo…

08/11/10 |
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