Comportamento
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A alma Hooligan e o crepúsculo do macho

No torcedor fanático, resiste a imagem do macho tradicional.

Existe uma personagem oculta na Eurocopa 2012: a polícia. De uns anos para cá, ela tanto se sofisticou em prevenir os conflitos entre torcedores fanáticos que eles estão minimizados. Não foram os hooligans que perderam a força, é a repressão que os mantêm na linha. Quase todos os países europeus tem problemas com eles, mas foram trocando experiências e criando políticas coercitivas até que se chegou a um equilíbrio de controle.

O estado os combate, mas nunca entendeu seus motivos. Creio que tampouco a intelectualidade européia se debruçou o suficiente sobre eles para saber qual é a bússola que usam (se é que a tem), as razões da sua fúria besta, seu amor desmesurado por uma bandeira clubística e, ocasionalmente, por sua seleção. Afinal, quem são esses brigões da pequena causa? O que querem esses rebeldes de uma causa tão rebaixada? Por que jovens trabalhadores europeus, vários com empregos razoáveis, remuneração idem, preenchem sua vida com futebol, brigas e álcool? Por que essa violência gratuita e sem sentido os cativa?

A questão é complexa, multifacetada, mas creio que uma das chaves para entendê-los passa por pensar nos deslocamentos da identidade masculina do século XX. E, é claro, simetricamente, no novo papel da mulher. O mundo industrial já fez do trabalhador peça de uma engrenagem que o transcende. Há uma alienação básica, mas ao menos ele era homem, entre outras coisas, por que ia para rua trabalhar, cabia-lhe trazer o pão para casa. Ser homem estava ligado a esse lugar social e familiar, a mulher estava em casa nos seus afazeres domésticos e subordinada ao marido. Socialmente o homem tinha o papel principal, mesmo que algum indivíduo fosse sem valor, ele seguia superior à metade da humanidade. Por sorte, isso mudou drasticamente: a mulher conquistou um lugar no espaço público, saiu da tutela do homem e hoje ganha para seu sustento. Dentro do casamento, outrora berço da tirania masculina, ocorreu o mesmo, não existe mais a assimetria onde a mulher era submissa, não autorizada a pensar e ter opiniões. Enfim, o trabalho já não ajuda a definir o que é ser homem. Ganhar dinheiro tampouco, mandar na mulher também não, o que é ser homem então?

O século XX foi, infelizmente, pródigo em guerras. As guerras convocam o homem para um dos arquétipos da condição masculina, o guerreiro. A primeira e a segunda guerra, depois a guerra fria e as lutas anti-coloniais, apesar do cataclismo humano, forneciam um lenitivo para a identidade masculina. O varão seguia nesse ponto útil, indispensável, um peça valiosa da engrenagem bélica. A economia e os valores da modernidade esvaziavam a representação da figura clássica masculina, como provedor e mestre, mas a guerra lhe contrabalançava o prestígio como soldado. O que fazer agora que a Europa se pacificou?

Observamos no século passado o declínio de todas as formas de filiação, daquilo que nos faz pertencer a um grupo. Todas tornaram-se mais frágeis, elas já não amarram uma identificação como antes. Ser inglês, francês ou alemão numa Europa que usa a mesma moeda e tem fronteiras abertas já não define claramente alguém. A cultura de massas avançou sobre as culturas locais e tradicionais, dando vida a novas personagens de identificação para sonhar, a globalização da cultura dilui fronteiras, vários povos cultivam os mesmos heróis e vilões. Os ofícios tampouco lembram as antigas guildas e corporações, com seus códigos e costumes, além disso os homens trocam de profissão, e mesmo as diferenças entre os ofícios não são claras. O que vale é ter dinheiro e não como se o obtém. Poucas profissões ainda devolvem uma imagem que sirva como âncora identificatória.

Da parte das religiões o quadro não é diferente, o mundo desencantou, e o papel das crenças ficou secundário, pouco definidor, apenas funciona para os poucos que se tornam radicais em tentar fazer valer o mundo antigo da religiosidade perdida. Ser católico, anglicano, ou protestante tanto faz, talvez o judaísmo e o islamismo ainda costurem um sentido peculiar, que não se confunda com o establishment convencional. Os grandes partidos políticos também são uma sombra do que foram, especialmente no sentido de uma escolha política definir uma identidade que dê sentido a uma vida. Não existem mais brigas por causas, talvez a ecologia seja a exceção, mas essa é, ou deveria ser, de todos. Enfim, vivemos a falência das formas tradicionais de identificação, das ideologias e das filiações, portanto cada vez é mais difícil saber quem se é e a que grupo pertencemos.

O homem de hoje segue trabalhando, com mais exigências de desempenho, e sem as regalias antigas, ainda que ilusórias, de seu gênero. Vê a mulher seguir seus passos e muitas vezes o ultrapassar; não sabe como ser amado e admirado por elas, antes bastava ser homem, hoje ele não sabe o que elas querem. O homem está solto, avulso no plano das idéias. Sem nada em volta que lhe devolva uma imagem do que ele é como cidadão e tampouco uma consistência viril, outrora refúgio das certezas. Resta-lhe o futebol, a paixão por um time, a violência da rua, essa inequivocamente, um lugar de machos. O Hooligan é o homem que não conta com uma guerra, então a inventa; não tem mais uma nação, uma causa, porém achou um clube para incondicionalmente e irracionalmente amar. O totem clubístico vem no lugar do pai decaído, da nação diluída, o time é a única tribo que consegue amar. O time não lhe pede nada e lhe diz atrás de que cores ele poderá vibrar para se sentir parte de algo.

Outro fato intrigante dessa questão é que os valores do individualismo cruzaram o século em alta e a tendência é seguir nessa direção, por que então um comportamento de massa, onde o indivíduo se funde no anonimato, consegue adeptos tão entusiastas? Talvez o Hooligan seja também uma denúncia de mal-estar na individualidade, um protesto em ato. Ali alguém deixa de ser ele mesmo para pertencer a uma multidão, imerge no mar do não ser, aceita a vontade coletiva, quer estar num rebanho que economiza a reflexão.

O comportamento Hooligan é a subversão das demandas por ser em nome próprio, de carregar o peso de ser original e ímpar, é a vontade de ser massa e descansar a cabeça das exigências abstratas, intangíveis, que são colocadas ao homem de hoje. Os Hooligans são uma resposta fácil, barata, ingênua e bruta dirigida à esfinge que pergunta ao homem o que ele é. Ao invés de olhar para frente, ele olha para trás, junta os farrapos dos uniformes dos avós e faz uma bandeira anacrônica e sem sentido, que já não honra ninguém. Encena uma caricatura de soldado num simulacro de guerra. Só extrai sentido social nessa cruzada patética contra a polícia e contra outros, tão perdidos como ele. Bebe junto com a cerveja a última gota de uma imagem masculina que já não se sustenta. É a imagem do ocaso do macho tradicional.

Publicado no Caderno Cultura do jornal Zero Hora, em 01/07/2012

01/07/12 |
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Uma nova sensibilidade se apresenta

Sobre especismo e o amor aos animais

Encontraram o Pinpoo. Terminou a novela do cãozinho desaparecido. Quem minimamente acompanha notícias, em qualquer meio, acompanhou o sofrimento do seu desaparecimento por relapso duma companhia aérea. Mas quem já tem certa idade nota que algo mudou por estas paragens. Anos atrás isso seria apenas um drama infantil, nenhum adulto gastaria seu tempo com cães sumidos, e jamais um fato desses ganharia manchetes. Estaríamos todos infantilizados? A nossa geração não cresceu? Difícil dizer, mas isso é mais um dos casos para demonstrar uma sensibilidade diferente em relação aos animais.

Os defensores e amantes dos animais estão ganhando visibilidade a cada dia. Porto Alegre é uma espectadora privilegiada desse processo, a campanha pelo fim das carroças (pensando nos cavalos), o estudante que se negou a aprender com vivisseção, recentemente o mini-zoológico da Redenção foi fechado para não estressar os animais e, como em outros lugares, por aqui existem muitos ativistas que pedem o fim de experiências com animais, e ainda os vegetarianos sempre denunciando a indústria da carne com seus inevitáveis maus tratos. Por outro lado, os animais amados, os domésticos, estão ainda mais amados, e sempre numa suspeita, para quem assiste a cena de fora, de um exagero na consideração que recebem. De qualquer forma, não é difícil perceber que uma nova sensibilidade para com a vida animal vem mostrando seu rosto. Embora essa tendência esteja em crescimento, os militantes da causa animal ainda são poucos, mas por sorte são bem barulhentos. Digo sorte porque nos põe a pensar, subvertem as certezas e isso sempre é bom.

Essa visão generosa para com os animais não é exatamente uma novidade, os Jainistas já defendem essas idéias há séculos. Essa antiga religião indiana, pelo menos desde 600 a.C., aparentada ao hinduísmo, mas que rejeita as castas e especialmente os sacrifícios, crê que toda forma de vida é sagrada (vegetais idem). Obviamente são vegetarianos, mas alimentam-se de frutos já caídos. Filtram a água para não beber algo vivo, usam um pano na boca para não engolir involuntariamente um inseto e, pela mesma razão, espanam previamente qualquer lugar onde sentam, para assegurar-se não destruir nenhuma pequena forma de vida.

Mas nem precisaríamos ir tão longe, a idéia dos nossos índios sobre a vida animal vira nossa lógica de ponta cabeça. Para eles no começo só existia a humanidade e por escolhas e descaminhos, os animais tomaram outro rumo, decaíram, mas eles seguem “humanos” de certa forma, são nossos parentes distantes. Enquanto no raciocínio ocidental nós viemos dos animais e evoluímos, para eles os animais vieram de nós. Por isso que os casamentos com animais nas mitologias indígenas não nos fazem sentido, mas para eles sim, pois seria outro povo, não outra espécie.

Essa tendência gerou um novo termo: “especismo”, para designar aqueles que tratam os animais como objetos. Especista seria quem se julga pertencer a uma espécie superior (no caso nós os humanos) e por isso se arvoraria o direito de dominar as outras espécies. Para seguir matando, criando animais para abate ou deleite (não esqueçam os caçadores, as touradas, as rinhas…), ou ainda usando-os como cobaias, não seria possível sem essa dita arrogância especista. Esse novo termo vem acompanhado de um raciocínio onde se diz que o especismo estaria, para nós e os animais, assim como o racismo está para as raças humanas (para quem acredita que elas existam, pois biologicamente elas não fazem sentido) e o sexismo para a dominação de gênero. Ou seja, eles buscam uma filiação que os vincularia ao lado, e de uma certa forma como um aprofundamento ético, dos que lutam contra o racismo e o sexismo.

Creio que esse paralelo é abusivo, pois não penso que exista simetria entre racismo e sexismo e o especismo. No racismo e no sexismo temos algo que é em princípio igual – o valor ou capacidade das ditas diversas raças para algumas aptidões, e o mesmo para o gênero – e que são tratados como diferentes por motivos de dominação. Ou seja, nesses casos criou-se uma ideologia da dominação que funda uma diferença onde ela na origem não existe. Já no caso do especismo, trata-se de algo distinto, (e até de certa forma ao avesso), ou seja, nós e os animais não somos iguais, e os militantes da causa animal acreditam que devemos assim tratá-los. Ou seja, na denúncia do especismo, temos a determinação de uma vontade, que quer que tratemos os diferentes na origem como iguais em direitos.

E a questão tem mais uma volta, o racismo e o sexismo estão em declínio não por boa vontade e entendimento mais profundo dessa questão, mas por um jogo de forças sociais, onde as mulheres e os prejudicados lutaram, sofreram e não poucos morreram para chegar onde estamos. Por outro lado, se conseguirmos uma igualdade de estatutos de direitos com os animais, nós vamos ter que lutar por eles, pois eles não têm uma causa, a menos que seguir vivo seja uma. Ou seja, seria o estabelecimento de uma igualdade “tutorada” pelos que acreditam que isso assim deva ser. É bom lembrar que não existe um direito natural, os direitos são duramente conquistados no eterno jogo de poder e não generosamente outorgados e reconhecidos.

É auto evidente que somos diferentes dos animais, o que sim podemos dizer é que nós e eles teríamos os mesmos direitos de seguir nossa vida sem nos atrapalharmos mutuamente. Penso que em relação aos animais deveríamos é ter deveres e não atribuir-lhes direitos. De qualquer forma, escuto as reivindicações desses defensores num outro tom, no qual uma frase de Kundera é especialmente preciosa: “A verdadeira bondade do homem só pode se manifestar em toda sua pureza e em toda liberdade em relação àqueles que não tem nenhuma força. O verdadeiro teste moral da humanidade (o mais radical, que se situa em um nível tão profundo que fica fora do alcance do nosso olhar) são suas relações com aqueles que estão a sua mercê: os animais. E é aí que se deu a maior derrota do homem, fracasso fundamental de onde todos outros derivam”. Aliás, essa é a posição de Bauman também, embora ele fique no âmbito dos homens, ele que diz que a sua maneira de medir a humanidade de uma civilização é como ela trata os menos favorecidos, os fracos e desvalidos. O espírito é o mesmo, você só seria moralmente elevado se não se aproveitar da impotência alheia.

Mas o que sempre me pergunto frente a esses movimentos, aos quais geralmente, mas com reservas, tenho simpatias, é se estamos diante de um avanço da sensibilidade humana ou um de retrocesso? Em outras palavras: isso seria uma forma mais ampla de um humanismo revigorado? Ou estaríamos, apesar das boas intenções, frente a um sintoma de desencanto com a humanidade? Ou seja, buscamos na natureza, mais especificamente nos animais, uma causa, um equilíbrio e um valor, porque as bandeiras de sempre andam desbotadas? É fato que as tradicionais causas já não empolgam tanto nem tantos, de fato existe um cansaço delas. Paira a idéia de que a humanidade é uma paixão fútil e existe uma desesperança no humano e nas suas instituições e as religiões idem. Onde então buscar uma nova causa que oriente a aspiração ética que trazemos? É isso que mobilizaria essa nova sensibilidade para com os animais?

Não acredito que vivemos um retorno ao modo romântico de amor à natureza, e seus velhos paradigmas, pensamento que atribui nosso desequilíbrio a um afastamento dela. O certo é que a distância nos permite idealizá-la. Uma das questões que é facilmente esquecida é que a natureza é um eterno entredevorar-se, os vivos alimentam-se dos mortos. Em todos os níveis. Para Joseph Campbell uma das nossas contradições, da qual não conseguimos uma síntese, é que as criaturas vivas sempre se alimentam de outro ser vivo. O mundo biológico é um eterno entredevorar-se. Nas suas palavras: “Pois bem, um dos grandes problemas da mitologia é conciliar a mente com essa pré-condição brutal de toda a vida, que sobrevive matando e comendo vidas. Você não consegue se ludibriar comendo apenas vegetais, tampouco, pois eles também são seres vivos. A essência da vida, pois, é esse comer-se a si mesma! A vida vive de vidas”. Ora, esse movimento é o recalque disso, da nossa condição animal e da brutalidade da selva que, queiramos ou não vivemos, não um retorno a ela. Eles querem é humanizar a natureza.

Talvez a melhor resposta seja a mais simples. De fato estamos todos infantilizados. Mas não de qualquer forma, isso decorre duma tentativa de simplificação do mundo, queremos um cosmo unívoco, um mundo básico, do certo e do errado, do bandido e do mocinho, e isso os humanos com sua labilidade e complexidade não podem nos dar. Creio que esse movimento usa sem saber a seguinte máxima de Mark Twain: “recolha um cão de rua, dê-lhe de comer e ele não morderá: eis a diferença fundamental entre o cão e o homem.” Nossos amigos sabem que correm o risco de ser mordidos se escolherem os humanos e se refugiam no amor fácil dos animais.

Os animais nos mergulham num mundo sem mal entendidos, cuidar e ser amado. Você dá e você recebe. Eles nos refrescam a memória dos cuidados maternos. Viemos ao mundo banhados no amor da mãe, ou ele existe ou não nos constituímos. Um amor que não pede nada (na verdade não é nada assim, mas é assim que gostamos de pensá-lo). Exercemos com os animais uma maternidade que parece estar no horizonte das conquistas possíveis. E pior, colocamos essa forma de amar e se relacionar como paradigmática das relações humanas. Enxergamos nos animais a fresta do nosso desamparo. Deletamos cognitivamento o fato que o homem morde a mão que o alimenta, que muitas vezes é ingrato. Reduzimos o mundo às vicissitudes desse amor unívoco. E como recompensa, passamos por boas almas, os malvados são os outros, nós amaríamos os mais fracos. Quando na verdade é certa fraqueza nossa que orienta as nossas escolhas para o mais fácil. Evitamos a humanidade e sua inevitável complexidade para desembocarmos numa miragem de natureza idealizada. Melhor para os pets, pior para nós.

Escrevo com os pés aquecidos no meu velho bulldog desenganado por tantos veterinários. Vive de teimoso. Minha filha longe pede que eu cuide para que ele não morra antes dela voltar, a menor não concilia o sono sem sua presença. Eu cuido dele por elas e por mim. Embora ele seja um pouco mentiroso, é um bom papo e sei que posso contar com ele para tudo.

26/03/11 |
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Sim, Senhor!

Sobre a escalação da seleção brasileira de futebol

SIM, SENHOR!

Fabrício Carpinejar e Mário Corso

Gaúcho com excesso de poder é getulista.

A teimosia vira orgulho que vira onipotência.

Entre tantas facetas do caudilho de São Borja, Dunga não escolheu reencarnar o Getúlio civil, eleito pelo povo, mas escolheu o Getúlio fardado, nem aí para a opinião pública, que toma o poder pela força e fecha o Congresso.

É o Estado Novo na seleção. Continue lendo…

31/07/10 |
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Saci sem cachimbo, lobo sem dentes, gente sem pensamento

Entrevista com a revista Época

Uma conversa com o psicanalista Mário Corso sobre o politicamente correto , por ELIANE BRUM (colunista da revista Época)

Era uma vez um mundo de gente muito chata. E um tanto perigosa. O Saci estava ali, na dele, pulando numa perna só e aprontando umas e outras, quando… zás! Sequestraram seu cachimbo. O Saci olhou para um lado, olhou para o outro, e viu umas criaturas de olhos estalados e cara de melhores intenções. O Saci não tem medo de quase nada, mas descobriu que morre de medo de seres com cara de melhores intenções. É para o seu bem, disseram os entes desconhecidos. Fumar faz mal. E dá mau exemplo. Se você for bem bonzinho, a gente lhe dá uma prótese aerodinâmica para você saltitar com duas pernas. O Saci disse que estava muito bem obrigado com uma perna só há alguns séculos e ficaria bem satisfeito se pudesse pitar seu cachimbo sem nenhum enxerido apitando no seu ouvido. Não adiantou. Aqueles seres só tinham certezas – e uma delas era saber o que era melhor para ele. Continue lendo…

25/05/10 |
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A falta que faz um louco

Sobre a importância do jogador insano para um time de futebol

Fabrício Carpinejar e Mário Corso

A seleção de Dunga está cheia de bons jogadores, alguns craques como Kaká e Robinho, mas falta o louco.

O louco é a carta essencial do Tarô para o time brilhar. Não é um jogador comum, mas o imprevisível, que pode sair driblando cinco e fintar uma muralha com cisco de calcanhar.

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18/04/10 |
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Homossexualidade debaixo do tapete do gramado

Sobre homofobia no futebol

Fabrício Carpinejar e Mário Corso

Não há sequer um jogador de futebol que se assumiu gay no Brasil.

Não houve um único homem de fibra que disse em qualquer microfone de qualquer rádio em qualquer partida: Queria mandar um abraço ao meu marido

Já entendi a resposta, não temos que misturar a vida pública com a pessoal. O trauma é que não existe vida pessoal até o momento, nem para ser misturada. Não há um único gay declarado. Temos cinco Copas do Mundo, somos eleitos o melhor toque de bola da terra, e não localizamos um gay jogando na Primeira, na Segunda e na Terceira Divisão, tampouco nos campeonatos regionais. Não é estranho?

Não é o caso de sair do armário, é para sair do arquivo secreto. Em toda profissão, encontraremos profissionais gays bem sucedidos, resolvidos, abertos. Menos no futebol.

É um mistério – para não dizer um escândalo – a homofobia.

Procuramos bares e festas gays, músicas e filmes gays, amigos e confidentes gays, não conseguimos pensar nossa vida sem a transparência sexual e emocional, porém não sentimos que há alguma coisa errada nos gramados. Como? A ausência não é natural. É forçada, ensaiada, recalcada. Desse jeito, os estádios brasileiros são campos de concentração. É uma omissão digna de Fidel Castro, que perseguiu milhares de militantes.
  
Jogador não se assume gay, é acusado. Gay ainda é visto como uma acusação no futebol. Uma ofensa ao rival. Nenhum atleta se expressou publicamente com medo do boicote, com medo de ficar no banco, com medo de ser descartado do elenco, com medo de represália na família.

Ser gay no futebol permanece como fofoca, maledicência, safadeza. Onde estamos? Quando não é inferiorizado por ataques, vira folclore. Anedotário. 

Persevera um tabu católico de que o gay é um desvio da natureza, um problema psicológico, uma doença física. Convenhamos, vamos falar sério. Como gente grande. Técnicos não abrem a boca, dirigentes fingem que não é censura, comentaristas aceitam a armação purista.

Será que temem um jogador gay tomando banho no vestiário, convivendo com colegas seminus? Será que imaginam que ele atacará? Que ficará olhando, flertando? Que vai derrubar o sabonete de propósito?

Mas, então, os clubes de piscina devem ser fechados. Não inauguramos o respeito, não aprendemos sobre intimidade. É uma desonra confundir gay com tarado. É uma distorção confundi-lo com promíscuo.

Craque pode se encontrar em motel com travestis, só não pode ser homossexual.

Sabe o que é isso? Covardia da própria masculinidade.

Avançamos no combate ao racismo na torcida, mas liberamos os gritos de bicha e de veado. Inclusive incentivamos as crianças a cantar. Isso não é liberdade de expressão, é crime. Coerção coletiva, disposta a humilhar, é crime.

Não adianta modernizar as arenas para a Copa de 2014 se não modernizarmos a moral.

A bobagem que se conta é que os gays não jogam futebol. É preciso ter um desconhecimento total do assunto para apoiar tal ingenuidade perversa. Gay joga futebol, nem melhor nem pior, joga como qualquer um.

No imaginário gay é necessariamente mulherzinha. Quer dizer, não tem virilidade, não tem desenvoltura para esportes de macho. Ocorre que gay é plural, tem tudo que é tipo de gay. Uma das possibilidades entre os gays é partilhar identificação com uma mulher forte na sua história (geralmente a mãe) e então se parecer com ela. Identificação não é tudo, aliás, às vezes não é nada. Muitos homens, pais de família, apaixonados por mulheres, com forte elo feminino, não desejam beijar um homem, nunca passou o apelo pelo corpo.

O problema é que ser gay não está na identificação, e sim na escolha do objeto erótico. Uma coisa não tem nada a ver com a outra, não se aproximam nem se contaminam.

Um gay pode ter uma forte identificação com seu pai, voz grossa, partir para porrada por qualquer coisa, ser da tropa de choque, mas desejar homens para transar.

E sobejam os casos mistos, ter uma identificação feminina e ao mesmo tempo uma escolha de objeto homo-erótico.

Nelson Rodrigues afirmava que dentro de homem existe sua infância enterrada feito sapo de macumba. O que faltou dizer é que também está enterrado em cada um de nós o nosso oposto, o sócio minoritário das nossas escolhas, é ele que treme quando o assunto é gay. Quanto pior enterrado, quanto maior esse sapo, mais vai reprimir nos outros para reprimir em si mesmo.

Será que não há também torcedor gay no país? Que vida esse torcedor está defendendo no estádio

Publicado no blog “futebol é literatura” em 10.12.2009

10/12/09 |
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Qual é a visão geral que os jovens têm da morte

Entrevista Unissinos em outubro 2009

UNISINOS- Como entender o fascínio que alguns jovens têm pela morte? Que aspecto da morte pode fascinar um ser no auge da vida? É possível falar em um “flerte” entre suicídio e adolescência?

Mário Corso – Eu não acredito que o fascínio pela morte seja maior na adolescência, apenas este encontro é mais perigoso. Uma psicanalista francesa, F. Dolto, usa uma imagem para falar da adolescência que me parece muito precisa, ela fala de “complexo de lagosta”. As lagostas, por possuírem um exoesqueleto, têm a necessidade de trocá-lo para poder seguir crescendo, e então durante um tempo em que abandonam a carapaça a até que a nova endureça estão desprotegidas de ataques de certos predadores, estão mais vulneráveis. A imagem é perfeita para descrever a adolescência, são eles que estão mais frágeis e então são presas mais fáceis de tudo, logo, também da morte.

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19/10/09 |
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O Caso do Professor

Uma história clínica, publicado na revista Norte

Nós psicanalistas somos de poucas palavras sobre nossos pacientes. A discrição sobre as vidas envolvidas pede isso. Porém a morte dos protagonistas envolvidos permite que eu possa contar uma experiência clínica ímpar. Um dos mais enigmáticos casos com que me deparei, que até hoje me faz pensar, e sigo sem respostas satisfatórias.

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19/06/09 |
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Problema salomônico

Sobre o litígio jurídico internacional pela guarda de um menino

Curiosamente, o caso de Sean foi perdendo espaço nos noticiários brasileiros, enquanto nos Estados Unidos ganha feições duma novela midiática, tal qual a do garoto Cubano Elian Gonzáles em 2000. Para quem ainda não acompanha o caso: Sean é filho do americano David Goldman com a brasileira Bruna Bianchi. Em 2004, Bruna veio, supostamente a passeio, com o seu filho de quatro anos ao Brasil e nunca mais retornou aos Estados Unidos. Durante esses anos David não conseguiu contato com o filho, sempre obstaculizado pela mãe do menino, que já estava num novo casamento. Recentemente Bruna morreu de parto, complicando o que já não era simples. O padrasto continuou a missão de sua finada esposa: empenhado em afastar David do filho, pleiteia na justiça a guarda da criança.

Neste caso, além do drama humano há uma camada política. O padrasto pertence a uma família tradicional no campo do direito, são proprietários de um dos grandes escritórios do país. Graças à influência dessa família, o pedido do pai americano ganhou contornos kafkianos na justiça fluminense e ele perdia sistematicamente suas demandas, sendo que até pouco tempo atrás nem ao menos conseguia ver o filho. Hoje o caso tramita numa vara federal.

Quando a história ganhou visibilidade nos EUA, David amealhou simpatizantes importantes, entre eles Hillary Clinton, e isso foi decisivo para o litígio ser levado de outra maneira pela nossa justiça. Inclusive essa questão já gerou um leve atrito diplomático entre Brasil e EUA.

Situações como esta já são previstas na justiça internacional, existem leis que balizam os juízes locais. O Brasil assinou um tratado internacional sobre esse tema e a resolução, nesses casos, tende à devolução do filho a seu pai. No entendimento do direito internacional, o que Bianca fez foi um seqüestro.

A família vive um momento diferente, nunca tantos casamentos foram desfeitos e refeitos. Nosso desafio é aprender a conviver com isso. Filhos vivendo longe dos pais, tendo um cotidiano com padrastos; finais de semanas alternados; férias negociadas; dramas para saber com quem passarão o natal; uma intrincada contabilidade de gastos discutidos a cada mês; mal entendidos freqüentes sobre tudo, enfim, a harmonia familiar nunca foi simples e agora ganhamos um adicional de confusão.  

Mas o problema mesmo começa quando um dos cônjuges quer negar que houve um passado, quer apagar um antigo amor de sua vida e, consequentemente, da vida de seus filhos. Poucas coisas podem ser tão devastadoras para um pai, ou uma mãe, como a desconsideração da sua condição; isso para não falar dos filhos, sem preparo para tal dilaceramento emocional, não sabem a quem dar razão, e vivem esticados entre os lados do conflito.

Quando um amor acaba podemos elaborar ou esquecer. Já quando esse amor gerou filhos não podemos nos dar ao luxo de queimar as fotos. È preciso enfrentar as mágoas, os sonhos partidos, os ressentimentos e aprender a conviver regularmente com um ser humano que representa um fracasso do amor, de nós mesmos, da esperança. O “ex” hoje pode ser, ou não, um desafeto, mas nunca será indiferente. Não existe outra saída viável. Não sabemos o que levou Bruna a tal gesto de apagamento de David, deveria ter suas razões, mas nada justifica privar alguém de seu filho, nem um filho de conviver com seu pai.

Nesses casos os EUA estão com o moral alto. Quando um fato semelhante lhes tocou, Elian Gonzáles, que perdeu a mãe na travessia do Golfo do México e ficou um tempo com a família materna, a justiça americana evitou uma patriotada e devolveu o menino para seu pai cubano. Vamos ver como os tribunais brasileiros vão se sair. Até este momento o fator local alijou o pai biológico de qualquer direito. Corroborou o voto da mãe e o borrou da vida de seu filho.

O afeto do padrasto é visto como muito benéfico e, para alguns, razão suficiente para que seja decretado que deve ocupar o lugar do pai. Escutei argumentos que dizem que o garoto está bem, então deixa assim. Para essa linha de pensamento, não interessa se isso é certo ou errado perante o direito internacional, ou mesmo que considere errado, conclui que seria mais importante saber se o menino estaria sendo amado. Ou ainda que o padrasto seria melhor que o pai, portanto, junto dele teria um futuro melhor. Como se a vida fosse pautada pelo melhor negócio.

Não duvido que esse menino seja amado no Brasil, mas, somente a título de conjectura, fico com uma pulga atrás da orelha se esse apego ao menino não seria também índice dum luto não resolvido pela sua mãe. Mas a questão não é essa. O fato é que quando nos deixamos levar por critérios subjetivos, e os laços afetivos sempre são nebulosos e ambivalentes, acaba vencendo o mais poderoso. A família Lins e Silva é certamente mais influente que a de David e fez valer seu lado enquanto esse não conseguiu melhores padrinhos para sua causa.

Não se pode escolher pai, nem filho, há de se aceitar os desígnios do destino. Nas famílias reconstituídas atuais, os amores dos pais trazem para os filhos novas figuras parentais, que também não são escolha deles. Isso tem um lado positivo, pois se multiplicam as oportunidades de identificações e afetos, e um negativo, onde a variedade de conflitos também aumentou. É claro que se aprende com a complexidade dos afetos, cresce-se com isso, mas que dá um trabalho danado negociar tantos vínculos diferentes, isso dá.

Eliminar um pai é mais do que forçar uma escolha, é negar o próprio papel de um pai, que é de incluir o filho nas leis e regras da vida, que costumam sobrepor-se aos afetos. Aqui a família sócio afetiva de Sean está falhando.

Em resumo, esse caso está fazendo barulho por duas razões: em primeiro lugar, torna pública uma querela familiar típica das novas famílias, e mexe com emoções que nos são caras, afinal, escolher um pai é escolher um destino; mas também pelo embate entre uma maneira brasileira de entender e levar as coisas contra o pragmatismo legalista americano. Façam suas apostas.

Publicado no Segundo Caderno do jornal Zero Hora, em 18 de abril de 2009

18/04/09 |
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Jerkish

Sobre o discurso vazio na política

No livro 1984 Orwel imaginou um mundo em que o totalitarismo venceria e uma das suas conseqüências seria a “novilingua”. Seria uma língua com um número mínimo de palavras, feita para diminuir a capacidade de pensar e, consequentemente, a de manifestar críticas ao governo. Em resumo, só corrompendo a linguagem era possível corromper o pensamento. Os fascismos e o stalinismo nos deram demonstrações práticas dum vocabulário oficial como esse. As ditaduras são muito atentas às palavras, mais do que as democracias.

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04/10/08 |
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