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Ora direis ouvir os sonhos…

Comentários sobre Interpretação dos Sonhos

Não é um livro fácil e não sei se é um livro para todos. Explico-me: julgo que a resistência ao livro vem pelo estilo de clínica que é implementada. Acredito que a grande contribuição da Interpretação dos Sonhos é este estilo de intervenção. Não é difícil desdobrar desses inúmeros relatos de sonhos num savoir faire clínico. Uma compreensão que o afazer do psicanalista está na sutileza da escuta do significante, está na dureza das letras, está em rastrear as poucas pistas que o inconsciente nos deixa. Quem nunca interpretou um sonho seu, quem não lembra deles, quem não consegue se conectar com o seu material onírico não vai se conectar com o livro.

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19/01/00 |
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Dificuldades inerentes ao tratamento da psicose

Inventário dos problemas enfrentados por quem atende psicóticos

O título pode não ser muito feliz nem muito poético, mas é transparente, é sincero, é exatamente o que quero desenvolver, ou seja, o que faz resistência à direção da cura na psicose. Tanto no cotidiano clínico quanto os aspectos sociais envolvidos num tratamento.

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10/01/00 |
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O Fim do Mundo e a Grande Decepção

Superstições sobre a virada do milênio

Não é difícil encontramos pessoas que estão delirantemente convencidas de que o fim dos tempos está chegando. Quando investigamos mais de perto isso revela uma certa verdade, porém mais particular do que geral. O seu fim está próximo, elas estão numa fragilidade em que suas referências estão se esboroando, o fim de que falam é de sua própria subjetividade, as rachaduras de sua estrutura psíquica anunciam a queda. O problema só começa quando essa crença particular contagia, e sabemos como contagia fácil discursos com certezas. Nossos contemporâneos estão cada vez mais relativistas, tudo é incerto, do futuro ninguém sabe e o presente é difuso de interpretações. Uma “boa” certeza faz seu séquito. Convenhamos, a certeza no fim do mundo não é uma certeza qualquer, ela se nutre duma crítica radical, tudo o que vemos não presta, só mesmo tentando outra vez. A questão é saber quantas seitas apocalípticas vão se anunciar até o fim do ano. Minha esperança é que não haverão suicídios coletivos, afinal, o fim está próximo e mais vale esperar o golpe do cajado do Senhor.

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19/08/99 |
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Eu me amo

Sobre a literatura de auto ajuda

O título é uma lembrança de uma música homônina do Ultraje a Rigor que satiriza o narcisismo contemporâneo. A música é simples, um sujeito vivia triste e sem sentido, eis que descobre a maravilha que ele próprio é e passa a amar-se a ponto de não mais poder viver sem si mesmo. A letra é muito feliz, pega nesse escracho o absurdo do narcisismo contemporâneo.

Individualistas, como cada dia mais somos, partimos da crença que boa parte de nossos problemas poderiam ser resolvidos se tivéssemos uma boa autoestima. Então assim seguimos, buscando ser um objeto o suficiente bom para podermos nos amar e ganhar mais independência dos outros.

Essa concepção é a mola mestra dos conselhos de nossas comadres e de uma literatura bem em voga: os manuais de auto-ajuda. Quanto às comadres, tudo bem, estão imersas em seu próprio tempo, é isso mesmo que iriam dizer, porém quanto à literatura é necessário uma crítica, afinal, mostram-se vendendo uma sabedoria “científica”.

Infelizmente o narcisismo não é binário, assim fosse, nossos problemas estariam resolvidos, todos nos amaríamos a nós mesmo e seríamos felizes para sempre. O narcisismo precisa ser pensado sempre a três termos: eu, mim mesmo e o outro. O raciocínio comum pega um eixo com dois elementos que correm em um polo: ser ou não bom para si mesmo enquanto objeto. O que fica elidido desse raciocício é o outro, ora se somos amados pelos outros então nos julgamos bons para sermos amados por nós mesmos e caso contrário não.

O problema é que somos tão individualistas e tão narcisistas que não admitimos o quanto somos dependentes. Sonhamos em ser ermitões espirituais, não depender do reconhecimento alheio para nada. Seria uma boa idéia senão pelo detalhe de vivermos em sociedade. O delírio individualista que os manuais de auto-ajuda apontam é este: cada um deveria ser uma célula independente, seria o seu próprio mestre e o seu próprio amante. Se o julgamento do outro não te convém julgue você mesmo, se a alteridade não te favorece suprima-a.

Isso pode funcionar por que é o canto de sereia que queremos ouvir, gostamos de fantasiar que querer é poder e que alguém determinado não tem limites. Gostamos de pensar que poderíamos ser uma fortaleza psíquica cheia de vontade, com uma energia sem fim. Não é difícil sentir-se assim, é algo que todos podemos em algum momento experimentar, pois trata-se dos momentos em que estamos identificados ao nosso ideal de ego. Ora, a estratégia do discurso de autoajuda pega esse caminho e faz uma espécie de doping psíquico. Deste modo cada um é levado a creer que ele é esse ideal e desde aí deve considerar seu ponto de vista, este seria o eixo de sua personalidade, toma-se a parte pelo todo. Nossas fraquezas, dificuldades, contradições, inibições não contam nessa nova matemática, isso fica elidido para poder inflacionar o ego.

Evidente que não é sem custo esta operação, quem acreditar nisso vai ficar jogado numa dinâmica maníaco-depressiva. Cada vez que o sujeito esbarra na realidade tropeça e cai, para sair da depressão reiventa a miragem narcísica e segue até o próximo tombo.

“É preciso estar bem consigo para estar bem com os outros”, todos já ouvimos esse conselho, ele não é falso em sí, ele é falso na raiz, não há essa dicotomia entre o eu e os outros por que não há eu sem outro, é uma impossibilidade até lógica. A psicologia não pode assumir sem crítica os valores do individualismo contemporâneo e transformá-los em conceitos como é feito ao redor do termo auto-estima.O que precisa ser lembrado é que a rigor, a auto-estima não existe. Existe enquanto uma auto-percepção mas não como uma entidade dinâmica. A miragem da auto-estima faz parte do discurso narcisista de colocar o ego como medida de todas as coisas.

Hoje é mais fácil e mais comum ouvir que se tem a autoestima baixa do que pensar que é o nosso desacerto com os semelhantes que nos causam problemas. Revirando um pouco, o que vem atrás desta queixa de insuficiência narcísica é alguém que se sente menos amado, que não se julga reconhecido como supõe que deveria mas não enuncia como uma falta ao outro e sim como uma insuficiência sua consigo próprio. Se “os outros não me amam” é lido como: “eu não me amo”, “eles não me reconhecem” vira: “eu não estou a altura de mim mesmo, não correspondo ao que sonhei para mim”. Ou seja o seletor de interpretação ficou trancado no eixo do imaginário narcísico.

Sartre dizia que o inferno são os outros, não sei se podemos desmenti-lo, estaria mais a ponto de concordar mas a questão não está posta como opção, não temos escolha, a saída será sempre considerando as alteridades. Para contrabalançar podemos lembrar Vinicius: “a vida é a arte do encontro” e posso lhes assegurar, os livros de auto-ajuda são manuais de desencontros.

Publicado no Jornal do Conselho de Psicologia CRP-07
19/04/99 |
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Férias, uma promessa que não se cumpre…

Depois de fazer um congresso sobre o valor do trabalho nada melhor do que um Correio sobre o valor simbólico das férias, afinal, ninguém é de ferro. E das férias o que se espera?

Depois de fazer um congresso sobre o valor do trabalho nada melhor do que um Correio sobre o valor simbólico das férias, afinal, ninguém é de ferro. E das férias o que se espera?

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19/01/99 |
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Melancolia natalina

Hipótese sobre a depressão que muitos sentem na época do natal

O natal produz muitos efeitos, menos, a indiferença. O natal tem seus adeptos e seus desafetos. Em outras palavras, poderíamos dividir os humanos em natalfílicos e natalfóbicos, se me permitem os neologismos. Os demais, que possuem uma distância neutra e uma postura equilibrada frente ao espírito de natal são estatisticamente insignificantes.

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01/12/98 |
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Férias de si mesmo

Brincadeira sobre o peso de ser, sobre deixar de ser na multidão

Uma das idéias mais comuns é que somos todos estressados, estaríamos sempre querendo esquecer de nós e da vida que levamos. Nosso sonho é chutar pra cima tudo que nos incomoda e poder ficar vendo a grama crescer. No entanto, se assim conseguimos um alívio do cotidiano, seguimos sendo nós mesmos. Isso é algo a ser levado a sério, afinal, tem gente que nem sai de férias por que sabe que vai junto, sabe que é um chato incorrigível e então o melhor é ficar no trabalho mesmo.

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19/07/98 |
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Andarilhos, mendigos e loucos

Reflexões sobre a subjetividade dos andarilhos e mendigos

Jairo Sette, 41 anos, ex-bailarino, vagueia há seis anos pelas cidades de São Paulo, sem lugar fixo, vivendo como mendigo. Não tinha uma vida fácil, não é fácil viver da dança; mas para quem é fácil a vida? Um dia saiu dizendo que ia viajar e nunca mais foi visto. A família, posteriormente, o localizou vivendo como mendigo nas ruas de São Paulo mas ele rejeitou a aproximação. Outras pessoas também tentaram, mas ele rejeita qualquer aproximação, diz que abraçou a miséria e tem que continuar assim.

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30/04/98 |

Admirável mundo teen

Reflexões sobre adolescência e paternidade

Vivemos uma época do pós conflito de gerações. Muitos de nós, mas certamente a geração de quem hoje está próximo dos cinqüenta anos (os nascidos nas décadas de 40, 50), viveu um sério conflito de gerações. Essas pessoas tiveram conflitos com seus pais por pensarem a vida de modo bem diferente, outros valores surgiam e se opunham aos de seus pais. Muito devemos a essa geração heróica, ela nos abriu caminhos.

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08/08/96 |
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Fantasia de Brasil

Resenha do livro Fantasia de Brasil de Octávio de Souza

As identificações na busca da identidade nacional.

Será mais um livro sobre o que nos faz brasileiros? A intenção do autor Otávio de Souza não é tanto analisar os traços nacionais distintivos mas a paixão brasileira pela busca da identidade nacional, principalmente entre os intelectuais. A verdade é que  vindo de psicanalistas esses livros são raros, paradoxalmente, porque, afinal de contas, se há algo com que lidamos o tempo todo é justamente a questão da identidade.

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21/01/95 |
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