Zero Hora
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Tornar-se pais

Sobre o livro O filho eterno

“Sente uma vergonha medonha de seu filho e prevê a vertigem do inferno em cada minuto subseqüente de sua vida. Ninguém está preparado para um primeiro filho, ele tenta pensar, defensivo, ainda mais um filho assim, algo que ele simplesmente não consegue transformar em filho.”

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19/01/11 |
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Famílias na traseira dos carros

Sobre a família contemporânea

Divirto-me no trânsito imaginando como poderiam ficar as famílias de bonequinhos, desses adesivos colocados na traseira dos carros, caso representassem a pluralidade da realidade. Em cada veículo elas são montadas conforme o caso: são colados bonequinhos para os pais, para os filhos, conforme o sexo e idade, além dos animais de estimação. Na minha infância o enfeite de carro mais comum era um imã para fixar no painel (sim ele não era de plástico) no qual uma fotinho do filho era colocada ao lado da frase “não corra papai!”. Não que fosse possível correr muito na época. Os atuais adesivos que representam a família que utiliza o veículo também tentam lembrar as vidas que devem ser preservadas neste trânsito selvagem. Esses bonequinhos tentam humanizar a lata que conduzimos.

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05/01/11 |
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Provas e provações

Sobre rendimento escolar

Para mim já acabou, como criança que fui e até como mãe, mas doeu nas duas pontas. São as incertezas do fim do ano escolar, o medo de não passar, o pânico do vexame de rodar, da opinião do professor, a necessidade de provar o que não temos certeza se sabemos ou se, caso saibamos, conseguiremos demonstrar.

Todas as professoras de matemática que tive foram uma provação, sua matéria continua até hoje insondável para mim. Uma delas, recentemente encontrou minha mãe na rua e, ao ser informada de que eu não havia fracassado na vida, não pôde conter sua surpresa: – “então ela deu em alguma coisa!” Continue lendo…

22/12/10 |
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Fora de si

Sobre o sofrimento nas separações amorosas

Um amor se mede e se legitima pelo tanto de fora de si que exige dos envolvidos. Porém, assim como a felicidade às vezes se revela na ausência, pois quando tristes nos damos conta das ocasiões em que éramos felizes e não sabíamos, existe algo do amor que se explicita pela negatividade. É no discurso da perda, no tipo de dor que só ele é capaz de produzir que descobrimos alguns de seus segredos. Continue lendo…

24/11/10 |
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Ventre livre

Sobre a legalização do aborto

Nesta campanha eleitoral, na qual duas fortes candidatas eram mulheres, discutiu-se o aborto, mas com poucos resultados. O acento ficou em torno das questões religiosas, as quais consistem na abordagem menos produtiva e cuidadosa para a realidade que envolve a interrupção da gestação e os cacos que terão que ser colados depois de sua passagem. Ninguém é entusiasta do aborto, mas qualquer um que já trabalhou em saúde pública sabe que ele é uma sofrida realidade que envolve milhares de mulheres, e sermos contra ou a favor praticamente não interfere na maioria das condutas.    

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10/11/10 |
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Espelho abjeto

Sobre a relação das mulheres com as baratas

Fabrício Carpinejar reclamou em sua última coluna que, após o pai ter abandonado o lar, a mãe o deixou com a indigna tarefa de exterminar as baratas. Julgou que ela só lamentara na separação ficar a mercê dos insetos, “pensava que o pai era um inseticida”. Ele deveria ter ficado grato: essa missão equivale ao cargo de general dos exércitos dela, melhor cavalheiro da távola do rei. Continue lendo…

08/11/10 |
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É sempre virtual

Sobre o filme Mary & Max

Durante a adolescência, invejava os amigos que mantinham correspondência regular com alguma pessoa em outra parte do mundo, com a qual geralmente nunca se encontravam, e ainda em inglês ou francês, muito chique. Apesar do amigo por correspondência ser um hábito antigo, quando começou a grande onda da internet havia muita inquietude, por parte dos não usuários, relativa aos diálogos virtuais com objetivo de amor, amizade e divertimento. Continue lendo…

31/10/10 |
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Maturidade

Sobre aniversariar cinco décadas

Era inevitável, mas eu não esperava que fosse tão cedo: fiz cinqüenta anos. Não se trata de surpresa, mas sim de aceitação. Pisquei os olhos e passou uma década, foi rápido não por terem sido anos insignificantes, foram bons, talvez dos melhores da minha vida. Tenho cabelos brancos desde moça e faz muito que deixei de cobri-los com tinta, mas só agora começo a temer que eles acabem combinando com o resto, pois a jovem que espero encontrar no espelho já não comparece lá. Não sou uma exceção à regra: vivemos tempos de obsessão com a juventude, ninguém aceita fácil ser adulto, carecemos do tempo em que nos sobravam idealizações e promessas. A existência que nos toca parece curta para tudo o que esperamos dela, mas a dificuldade de reconhecer-se adulto talvez não se restrinja a isso.

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27/10/10 |
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O canto das betoneiras

Sobre nossa relação com a cidade

Quem vive na cidade pode ter como esporte acompanhar uma obra. Edifícios altos são minhas preferidas. Gosto dos guindastes enormes, o empilhamento sucessivo dos andares, os esqueletos que se preenchem, e pior, alguns de seus barulhos já nem me irritam. Logo que a construção fica pronta, há o tráfego dos caminhões de mudança, a curiosidade sobre os novos vizinhos. Quando em obra, um imóvel é móvel, em transformação, é uma parte mutante da paisagem. Depois do prédio pronto perco o interesse, quando muito restam janelas iluminadas para supor-lhes alguma vida interior. Continue lendo…

13/10/10 |
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Aproveitando o leite derramado

Sobre narrar a própria vida

Tinha tudo impresso, mas li mal os dados e perdi o avião. Alguns telefonemas depois, desmarcados os compromissos, finalmente parei de me martirizar por ser tão distraída e descobri que tinha uma manhã livre. Porém, na balbúrdia do aeroporto não havia clima para ler o livro sobre psicanálise da depressão que carregava comigo, já estava bem deprimida com minha trapalhada. Na livraria, o título providencial do último livro de Chico Buarque – Leite Derramado – foi um encontro revelador.

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10/10/10 |
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