Livros Adotivos
Sobre a aquisição de uma obra de Eisner
Raras coisas acontecem na educação deste país das quais possamos nos orgulhar. Porém, ocorreu algo interessante: a aquisição pelo governo, entre outros, de uma obra de Will Eisner, chamada Um contrato com Deus. Os exemplares estão sendo distribuídos às escolas, para acervo em suas bibliotecas ou uso pelos professores.
Eisner é responsável por consagrar a fusão dos quadrinhos com a literatura, empresta seu nome ao maior prêmio desse gênero no mundo. Quadrinhos são a prova de que a imagem não mata o texto, pode casar-se com ele. O livro em questão ilustra poeticamente trechos da vida de gente sofrida, assim como seu Pequenos Milagres, outra obra prima. Acredito que ele representa o que Charles Dickens foi para seu tempo. Continue lendo…
Portadores do anel
Sobre o valor da virgindade
Começou timidamente entre os jovens religiosos americanos na década de 90, o movimento chamava-se “True Love Waits” (o amor verdadeiro espera), ou simplesmente TLW. Trocando em miúdos, significa não somente permanecer virgem até o casamento, como ainda proclamar isso aos quatro ventos utilizando um “anel da pureza” com essa inscrição. Hoje, o acessório é popular entre meninas e rapazes graças a ser capitaneado por ídolos infanto-juvenis como Hanna Montana e os Jonas Brothers, que fizeram furor em recente passagem pelo Brasil.
Biografias de espectros
Sobre uma conferência de Milton Hatoum, memória e narrativas
Dois Irmãos, de Milton Hatoum é uma experiência imperdível, se você não leu, comece agora. Se o livro já é de deixar uma leitora psicanalista entusiasmada, as colocações do autor em sua palestra no ciclo Fronteiras do Pensamento completaram o encantamento. Para ele, a “literatura é a transcendência dos fatos”, escreve, como é inevitável, tendo o passado como uma fonte de riquezas, pois “os momentos seminais da vida de um escritor acontecem na infância e na juventude”, do quais, completa: “a distância é importante para inventar essas lembranças”. Hatoum afirma que começou a “re-trabalhar a memória enquanto literatura, quando os velhos da família estavam indo embora” , acrescentando, para meu deleite, que a escrita é “uma biografia de espectros, por isso a literatura e a psicanálise tem algo em comum”. Visto dessa forma, o passado deve ser visto mais como uma história que nos contamos, do que uma que vivemos, ele é sempre literatura, embora somente muito poucos saibam escrevê-la.
Zumbis
Sobre toxicomania
Vivendo um momento interessante de sua carreira, um amigo recebia os cumprimentos depois do fim duma atividade. Percebi seu olhar inquieto, abreviando as conversas, sendo sucintamente gentil. Tinha pressa. Queria comemorar de outro jeito: fumando. Compreendo perfeitamente, fui fumante por duas décadas. Como esse hábito ridículo de sufocar-se pode substituir um maior, um momento de reconhecimento e glória? É o tabagismo, primo pobre da mesma família à qual pertencem o álcool e as drogas. Destinos diferentes, o cigarro significa uma morte lenta e gradual, o álcool um prazer que leva os fracos à destruição, enquanto as drogas são muito mais perigosas, por quê?
Amar é terapêutico
Sobre os aspectos delirantes do amor
Lars é doido de pedra, não do tipo que quebra a casa ou enche o ambiente com seus fantasmas, ele é pétreo e não gosta de ser alterado. A história dele é sobre loucura, mas na verdade interessa-nos porque é uma também trama de amor. O filme, chamado “A garota ideal” (Lars and the real girl, direção Craig Gillespie, EUA) é de 2007. Deve ter vindo de balsa para chegar só agora.
A fila da padaria
Sobre relações amorosas contemporâneas
Devo ter uma obsessão por fila de padaria. Sempre que alguém se impacienta porque que não encontra um amor, acabo dizendo que pode estar em qualquer lugar -“até na fila da padaria”. Inconscientemente estou torcendo que encontrem um “pão”. Minha frase inspira-se numa gíria do tempo da Jovem Guarda: “pão” era um homem que ninguém, em sã consciência, expulsaria da sua cama.
O homem visível
Sobre imagem
O homem visível está no cartaz, ele é bidimensional. Dias atrás, passando por uma vitrine de perfumes, vi o cartaz de um homem visível: lindo, másculo, jovem, enigmático. Perguntei às pessoas que estavam comigo de qual filme era aquele ator, ninguém lembrou. Quando estávamos nos afastando, uma voz forte respondeu: – “É do Homem Aranha”. Levamos um pequeno susto, não tínhamos notado mais ninguém. Foi então que vimos um segurança parado ao lado da vitrine. Ele ria para nós e de nós, notou que nos assustamos. Era o Homem Invisível, um herói anônimo, fortemente paramentado para nos proteger caso necessário. É pena, mas o Homem Aranha está tão ocupado com sua carreira artística que já não aparece para nos salvar, nem ao menos nos leva para voar no seu cipó aracnídeo. Continue lendo…
Mãe Aranha
Sobre o filme Coraline e fantasias sobre a mãe
Costumo dizer a meus pacientes: – mãe só tem uma, graças a deus… As mães são, somos, muito chatas, muito mesmo, grudamos nos filhos com uma solicitude viscosa. Quando presentes, somos ostensivas, grandiloqüentes, mas, apesar disso, todo filho se queixa de algum tipo de descuido.
Uma cidade de leitores
Sobre a confraria Reinações
Porto Alegre, 12 de fevereiro, entardecer, sensação térmica 40 graus. Fui ao encontro achando que seria a única maluca interessada em debater “História sem Fim” numa livraria do Bom Fim (Letras & Cia). Não era o caso. O bando de doidos que se encontrou naquele dia chama-se Confraria Reinações e completaram dois anos disso: reunir-se mensalmente na livraria para trocar idéias sobre literatura infanto-juvenil. A cada encontro decide-se qual será o próximo livro a ser compartilhado. Lemos clássicos ou qualquer outro que se mostrar marcante para esse público. Entre os presentes há escritores, professores, editores, artistas, alguns têm seus livros publicados, mas todos estão lá na condição de leitores. A discussão pode atingir todos os níveis, há liberdade para dizer: “gostei”, ou “detestei”, “me irritou e parei de ler”, “pulei partes chatas”, e assim por diante. É isso que faz o encanto dessa reunião, a leveza que permitiu que se continuasse trabalhando até no nosso fevereiro.
Fogo Amigo
Amigo sobre uma automutilação de repercussão global
Uma jovem advogada pernambucana foi agredida por skinheads na Suíça e sofreu um aborto. Ficamos indignados como todos os cucarachos latino americanos sempre mal vistos no primeiro mundo. Porém, como todos já sabem, ficou provado que ela não podia perder a gestação gemelar, por não estar grávida. Pior, os cortes com a inscrição da sigla de um partido neonazista em seu ventre e pernas foram auto-infringidos. Ficamos confusos.