Viver sem listas
Sobre o livro de Pierre Bayard e fixar objetivos para viver
Um homem da minha idade, 47 anos, Dave Freeman, autor do livro 100 Coisas a Fazer Antes de Morrer bateu a cabeça em casa e morreu. Não li seu livro, não lhe conheço a sabedoria, ou a ingenuidade, de acreditar que se pode ir embora com a sensação de estar quites com a vida. Meu pai morreu com 87 anos, correu o mundo, sobreviveu à guerra, e não achava que tinha feito o suficiente para abrir mão da vida. Morreu inconformado, sem saber a que endereço encaminhar a solicitação de prorrogação de seu prazo, ele que amava tanto resolver tudo com cartas.
Os sem-estação
Sobre a dificuldade de suportar as variações de clima e de humor
Início de setembro, a primavera mal se anuncia, mas as árvores, ignorantes do calendário, explodem em flores há quase um mês, antecipando seu carnaval. O outono passou pela avenida desfalcado de suas melhores passistas e com a bateria a meio pau, nem deu para apreciar o espetáculo. A beleza das estações deve ser aproveitada quando dá, sem maiores previsibilidades, nem de intensidade, nem de hora de chegada ou de partida. Sentimos que as estações estão misturadas, voltando quando já deveriam andar longe, partindo cedo demais, intrometendo-se umas nas outras.
Não mais que de repente
Sobre amadurecimento
De repente, sem querer, eu me disse: agora é pra valer. Estava me referindo à vida, à vida adulta, aquela para a qual tenho passado os últimos 47 anos me preparando. Mesmo com duas filhas, um livro escrito e uma árvore plantada (não me lembro bem, devo ter plantado alguma…), parecia que nem tinha começado ainda. Sempre pensei que chegaria o dia em que deixaria de sentir-me intimidada frente àqueles que admiro, em que me consideraria uma mãe suficientemente boa e uma mulher de verdade, em que saberia administrar o dinheiro que ganho como se fosse meu. Isso ainda não aconteceu, mas sim outra coisa: comecei a olhar para o taxímetro e ver o quanto de vida já gastei.
Belas e feras
Sobre o filme A Pele
Tenho uma cabeleireira muito especial, Paula Ferrary. Foi ela que me apresentou a Diane Arbus, cujas fotografias misturam-se às Vogues em seu estúdio no Bom fim.
A marcha da família
Sobre o filme A marcha dos pinguins, sobre o trabalho de ser pais
Dizem que a vida só é dura para quem é mole. Se há uma constatação inevitável ao assistir o documentário “A Marcha dos Pingüins” é que somos molengas frente à instintiva tenacidade e valentia dos animais. Sou apaixonada por documentários sobre natureza desde a infância e posso dizer que o filme de Luc Jacquet não é um produto inusitado da série. Como tantos, ele abre a oportunidade de privar da intimidade de um grupo animal.
Jogos Mortais
Sobre essa série de filmes, a Lei seca e a valorização da vida
Estreado em 2004, o filme de terror, suspense, mal estar, estranhamento e inquietação chamado no Brasil de Jogos Mortais (Saw, direção James Wan), deu origem a várias seqüências. Já são cinco, uma por ano, estreando sempre no Halloween e angariando uma legião de jovens fãs. É uma trama aberta, um esquema que pode ser repetido com várias personagens, é um jogo.
Da natureza do pai
Sobre o dia dos pais, postado por Diana
Conheci meu pai quando eu tinha seis anos,quando minha mãe, viúva, casou-se com ele.Quando eu tinha 8 meses perdi meu primeiro pai, fulminado por um precoce ataque cardíaco. Quando aquele que seria meu segundo pai começou a cortejar minha mãe, fui-lhe indiferente, tentei seduzi-lo como fazia com todo mundo, mas não de modo especial.
Por que tão sério?
Sobre o filme Batman o Cavalheiro das Trevas
O demoníaco Coringa da derradeira atuação de Heath Ledger (em Batman – O Cavaleiro das Trevas, de Christopher Nolan) roubou a cena. O jovem ator australiano construiu um vilão cheio de tiques e olhares alucinados, representando uma encarnação do mal digna da linhagem do Hannibal de Hopkins e do Iluminado de Nicholson.
Cinderelas, com uma pequena ajuda das amigas
Sobre o livro de André Gorz
Como Carrie, Charlotte, Miranda e Samantha, Cinderela também sonhava com um príncipe e achava que seu valor dependia da suntuosidade das suas roupas. Através das suas aparições e fugas do baile, das pistas que deixava como rastro a cada noite, a princesa saída das cinzas ensinou sucessivas gerações de meninas a fazer o jogo da sedução. Sex and the City, o filme, é uma comédia romântica que parece ser mais uma versão da história clássica da Cinderela, embora de borralho as moças de Nova York entendam pouco. Nesses filmes a tarefa central das personagens é encontrar um príncipe encantado, mas nesse há um toque a mais: é a amizade, o amor fraterno, que sai consagrado no fim.
Guardiã das gavetas existenciais
Existenciais sobre o livro Agora eu Era de Claudia Laitano
Sempre quis ser cronista, queria ter essa capacidade de pinçar um elemento aparentemente irrelevante do cotidiano e com ele interpretar o mundo. Este espaço, desde o qual aqui vos falo, transformou-me não nisso, mas numa micro-ensaísta, foi o que deu para fazer. Mas nas páginas da Zero Hora eu vi, não sem inveja (da branca), o nascimento duma cronista de verdade.