A sedução do pirata
Sobre como amamos e nos identificamos com os piratas
Johnny Depp é uma gracinha. O pirata Jack Sparrow, de andar balouçante, é uma personagem imprevisível e fascinante. Não é um vitorioso, só é heróico só quando lhe convém, não é confiável nem mesmo para sua tripulação, o que não a impede de amá-lo, entre um motim e outro. As mulheres sempre terminam por esbofeteá-lo, mas só depois do beijo. O olhar castanho e sorrateiro de Depp, a sexualidade ambígua dos trejeitos do corsário, são muito diferentes do queixo quadrado, dos músculos e da personalidade previsível dos super-heróis que fazem a cabeça do público masculino. Não é essa nossa escolha: Sparrow é campeão de suspiros entre as mulheres, principalmente as mais jovens. Mas o que é que o pirata tem?
Um violinista no metrô
Sobre um violinista que se fez passar por um músico de rua
Nesse 12 de janeiro, na hora do rush matutino, numa concorrida estação do metrô de Washington, aconteceu algo inédito. Não foi evento casual, foi uma performance cultural cuidadosamente calculada para nos fazer pensar. Joshua Bell, um dos mais incensados violinistas do mundo, tocou divinamente como costuma, mas posicionado como se fosse um músico de rua. A conseqüência você já pode prever: ninguém parou para escutá-lo, embora ele tenha ganhado 37 dólares jogados na caixa do seu Stradivarius. Continue lendo…
Uma dama na sala e …
Sobre o livro Prostituição, o eterno feminino, de Eliana dos Reis Calliga
Já disse, com severidade cavalgante, um dos senhores do poder vigente, que as mulheres devem ser castas, já os homens… “Muitas vezes (ele) quer aprender como fazer o serviço.Tem que aprender com quem estiver disposta a ser professora.” (sic) Seu objetivo era separar o joio do trigo, a virgem casadoira da prostituta que, seja ela uma profissional ou uma leviana, esteja disponível ao sexo casual, sem amor e compromisso.
O ogro verde ficou maduro
Sobre Shrek Terceiro
Assisti ao terceiro episódio de Shrek num cinema lotado de adultos. Nada estranho, pois as crianças estavam comendo pipocas na sala ao lado, na versão dublada. Ali estão as mesmas aventuras dos anteriores, cujo maior atrativo são as paródias com os personagens clássicos da literatura infantil e a gozação com o rival Estúdio Disney. Neste filme, Shrek é desafiado a duas coisas que não deseja e para as quais não se sente nem um pouco preparado: ser rei e ser pai. Diferente de Peter Pan, que lembra às crianças da vontade que dá de agarrar-se à infância com unhas e dentes, neste filme temos o jovem ogro verde tentando não ser adulto. É um impasse posterior e contemporâneo. Mas será que esse assunto interessa às crianças?
Eu não pedi para nascer!
Sobre o direito ao aborto
Dizem os pastores do rebanho de Deus que os embriões a Ele pertencem, se houve uma fecundação foi porque Ele assim o quis. Portanto uma vida pouco deveria aos pais que apenas reproduziriam conforme os desígnios do criador. Nessa lógica não precisamos perguntar em nome do quê resolvemos cometer esse ato tresloucado de gerar outro ser humano. Pena que ele vai ser mais à imagem e semelhança das nossas tentativas de acertar e das inevitáveis trapalhadas do que do Criador.
Cobertor de Orelhas
Sobre escolhas na vida amorosa
Com os acordes dos primeiros frios começa a sinfonia das relações estáveis… Até que o verão os separe. Da mesma forma como é preciso trocar as roupas do armário, subindo biquínis e descendo cachecóis, surge o discurso de que é a boa época para namorar, tomar um vinho e ver filmes em baixo do cobertor, de preferência um cobertor de orelhas. Quem escuta essa conversa, que não é exclusividade dos homens, acha que mandamos em nosso coração, que poderíamos adequá-lo de forma a melhor fruir os encantos de cada estação: no verão a liberdade dos corpos à mostra, convidando a experimentar tudo e todos, no inverno o recolhimento da intimidade. Será que é assim?.
Modelo de atitude
Sobre uma declaração de Gisele Bundchen favorável ao aborto
Não se pode recriminar Gisele Bundchen por seus ditos, que primam pela raridade, enquanto sua imagem onipresente invade nosso cotidiano. Pois bem, ela falou: declarou-se favorável ao aborto, defendendo o direito das mulheres decidirem sobre seu corpo, e ao uso da camisinha!
Espelho, espelho meu
Sobre institutos de beleza
Quando criança adorava assistir à montagem daqueles cabelos improváveis da década de sessenta. Elas colocavam rolos e penetravam em secadores espaciais. Depois a cabeleireira transformava tudo numa grande massa caótica, para só então modelar e recobrir a maçaroca com uma fina camada de laquê, formando um capacete mole. A hora do laquê era o máximo, a mulher segurava uma espécie de máscara sobre o rosto que a protegia daquele vapor petrificante. Enquanto isso as manicures e suas cadeirinhas infantis rastejavam entre as mulheres, numa múltipla cerimônia de lava-pés. O mais legal mesmo eram os esmaltes, ainda me apaixono por todos aqueles vidrinhos. Mais tarde assisti a rituais diferentes e igualmente complexos, como as escovas, onde toda aquela musculação fabrica um cabelo “natural”.
Cobaias do amor
Sobre o amor dedicado aos animais domésticos
Sou cachorreira e gateira, não acho que tenhamos que escolher entre os dois. Além disso, apesar da minha completa e incurável falta de religiosidade, sempre pensei que agradeceria ao criador a invenção de um felino em miniatura, de ferocidade controlável. O gato é uma das perfeições da natureza, imagine ter uma pequena pantera tomando sol no parapeito da sua janela! Divino. Quanto ao cão, quando nos elege como horizonte da sua existência, é capaz de ser totalmente fiel e respeitoso. Essa é a experiência mais próxima que temos de ser deuses. Mas estamos nos mais óbvios, tem quem curte peixe, hamster, iguana, cobra, rato, pássaro, e cada um fará um discurso das razões de escolha do seu animal de afeição.
Ensina-me a ler
Sobre a morte do professor Sergio Fischer
Leitura e juventude não precisam ser antagônicas. Ao contrário, os anos de formação são os de maior absorção de referências culturais, é quando elas são mais marcantes e tem-se tempo e impulso de beber em grandes goles. Pena que essa gana de viver dos adolescentes encontre-se, via de regra, tão distante dessa fonte. Exceções à parte, no melhor dos casos, eles têm acesso ao cinema, a músicas mais complexas, a programas de tv menos trash. No pior, satisfazem-se com uma vida medíocre de diz que diz, fica não fica, vai não vai, num mundo simbólico da dimensão de um bairro.