O bom filhismo
Sobre a pesquisa A Voz dos Adolescentes
Com o nome de “A voz dos adolescentes”, a Unicef conduziu no Brasil uma pesquisa que interrogou jovens entre 12 e 17 anos. Alguns dados causaram impacto: 70% dos jovens consultados sentem-se bem com a família, 95% consideram a família a instituição mais importante da sociedade e 84% consideram justa a forma como os pais os corrigem. As estatísticas confundem, uma vez que o estereótipo de adolescência que temos é o de rebeldia, agressividade e incomunicabilidade. Como explicar esse aparente “bom filhismo” que a pesquisa demonstra?
“Lilo e Stitch” é Woody Allen para crianças.
Sobre esse desenho animado Disney em 10/07/2002
Há pratos novos no menu Disney: os monstros são fofinhos, os contos de fada ficaram na estante e agora os holofotes se dirigem à representação que a criança e a família fazem de si mesmas. Antes, a cultura dedicada à infância era toda voltada ao desafio do “quem me tornarei”, hoje ela se ocupa de “quem sou”. A família também precisa buscar uma representação que leve em conta sua atual imparidade, feita de pais ocupados, separados, de filhos de vários casamentos, de dificuldade com os limites… Os filmes de princesas ou aventuras matavam a família de entrada para que a criança pudesse devanear com seu futuro glorioso. Agora há tarefas antes de chegar lá, o assunto é a própria infância.
Dentro do mar de Lya
Sobre o livro Mar de Dentro de Lya Luft
Quem escreve resgata e recobra, inventa ou transfigura.Palavras de Lya Luft em seu último livro, “Mar de Dentro”, supostamente um volume de memórias. Sua história é de uma família estável e uma menina amada pelos seus. Não há fatos, há impressões, não é romance nem biografia, mas significado e ressonância. Não há referências claras de tempo e espaço, há sucessão de descobertas, os fatos são datados pelo tamanho dos objetos ao seu redor. Quando pequena, foi intensa, seus relatos são de pensamentos profundos, insônia, angústia, medo do abandono, devaneios, autocríticas.
Papai Heavy Metal
Sobre o reality show Os Osbournes
Ozzy Osbourne foi excessivo em tudo que pôde. Sua carreira de “Príncipe das Trevas” foi marcada por momentos de loucura, todos eles colocados ao serviço do seu personagem: um sujeito satânico, de uma oralidade monstruosa, descrente de toda fé. Seus episódios de arrancar cabeças de animais com os dentes, sabiamente divulgados pela gravadora, eternizados pelo entusiasmo dos fãs, mais parecem os de um homem subjugado por uma imagem que o dominou tanto quanto o álcool e as drogas.
Para aquelas que não receberam flores
Sobre as mulheres que não tiveram filhos em 15/05/2002
No dia das mães todos têm motivos para dar flores (às vezes in memoriam), não há quem não teve algum tipo de mãe. A onipresença do tema da maternidade nesta época do ano gera constrangimento para as mulheres que deram mas não receberam flores. Bombardeadas pela mídia, pela imperativa cobrança de crescei e multiplicai-vos, fica difícil não se sentir uma mulher pela metade. A maternidade é vendida como o coroamento da carreira feminina.
O preço da genialidade
Sobre filhos geniais em 01/05/2002
“As crianças são as mensagens vivas que enviamos a um tempo que não veremos”, escreveu Neil Postman. Nelas fazemos as maiores apostas, delas esperamos grandes feitos. Outrora grandes homens construíam grandes nomes,funcionando como um guarda-chuva que abrigaria as gerações vindouras. Hoje quem quer ser importante investe pesado no aperfeiçoamento da sua prole. Paradoxalmente, nos vemos nos sucessos ou fracassos de nossos filhos, antes era ao contrário. Sabemos que tudo o que fizermos ou pensarmos influirá e nunca tivemos tanto medo de errar.
Esperando o clone
Sobre clonagem de humanos
Um médico anuncia que está por vir o primeiro clone humano e o mundo reage como se viesse o anticristo. Os jornais estampam as posições alarmadas do Papa, de Bush e a comunidade científica é chamada a explicar-se. Já o clone demorará um pouco mais e nascerá, coitado, todo errado. Mas por que ele nos assusta?
Éramos extraterrestres
Sobre o filme ET de Spielberg
A reestréia do “ET” de Spielberg vem para despertar em novos públicos o que para muitos foi inesquecível. Sempre é bom lembrar que não estamos sós no universo, mas o ponto alto deste filme é sua abordagem da infância. Spielberg foi genial ao colocar o menino e o extraterrestre como se fossem almas gêmeas.
Sou visto, logo existo
Sobre o Big Brother e Reality Shows
Quando Orwell escreveu 1984 ainda tínhamos quem olhasse por nós. A guerra fria disputava cada centímetro da terra para sua visão de mundo, éramos como filhos de pais separados que discutem quem manda mais. Ele previu a continuação do totalitarismo sob a forma tecnológica do olho que tudo vê: o “Grande Irmão”. Antes era Deus, para Orwell era uma televisão. Hoje estamos sós.
Lavoura arcaica. Semeando amores, colhendo incestos
Texto sobre o livro Lavoura Arcaica
“E eu sentado onde estava sobre uma raiz exposta num canto do bosque mais sombrio”.
Num tempo em que a ficção se povoa de tantas aventuras, os caminhos do inconsciente ainda são o pior dos labirintos. Nele entraram todos os leitores que consagraram o livro “Lavoura Arcaica”, escrito por Raduan Nassar. Filmada por Luiz Fernando Carvalho, a história vai ao encontro de um público ainda maior, arrastando consigo tanto impacto quanto em sua aparição impressa.