Os sem-estação
Sobre a dificuldade de suportar as variações de clima e de humor
Início de setembro, a primavera mal se anuncia, mas as árvores, ignorantes do calendário, explodem em flores há quase um mês, antecipando seu carnaval. O outono passou pela avenida desfalcado de suas melhores passistas e com a bateria a meio pau, nem deu para apreciar o espetáculo. A beleza das estações deve ser aproveitada quando dá, sem maiores previsibilidades, nem de intensidade, nem de hora de chegada ou de partida. Sentimos que as estações estão misturadas, voltando quando já deveriam andar longe, partindo cedo demais, intrometendo-se umas nas outras.
A marcha da família
Sobre o filme A marcha dos pinguins, sobre o trabalho de ser pais
Dizem que a vida só é dura para quem é mole. Se há uma constatação inevitável ao assistir o documentário “A Marcha dos Pingüins” é que somos molengas frente à instintiva tenacidade e valentia dos animais. Sou apaixonada por documentários sobre natureza desde a infância e posso dizer que o filme de Luc Jacquet não é um produto inusitado da série. Como tantos, ele abre a oportunidade de privar da intimidade de um grupo animal.
Jogos Mortais
Sobre essa série de filmes, a Lei seca e a valorização da vida
Estreado em 2004, o filme de terror, suspense, mal estar, estranhamento e inquietação chamado no Brasil de Jogos Mortais (Saw, direção James Wan), deu origem a várias seqüências. Já são cinco, uma por ano, estreando sempre no Halloween e angariando uma legião de jovens fãs. É uma trama aberta, um esquema que pode ser repetido com várias personagens, é um jogo.
Por que tão sério?
Sobre o filme Batman o Cavalheiro das Trevas
O demoníaco Coringa da derradeira atuação de Heath Ledger (em Batman – O Cavaleiro das Trevas, de Christopher Nolan) roubou a cena. O jovem ator australiano construiu um vilão cheio de tiques e olhares alucinados, representando uma encarnação do mal digna da linhagem do Hannibal de Hopkins e do Iluminado de Nicholson.
Guardiã das gavetas existenciais
Existenciais sobre o livro Agora eu Era de Claudia Laitano
Sempre quis ser cronista, queria ter essa capacidade de pinçar um elemento aparentemente irrelevante do cotidiano e com ele interpretar o mundo. Este espaço, desde o qual aqui vos falo, transformou-me não nisso, mas numa micro-ensaísta, foi o que deu para fazer. Mas nas páginas da Zero Hora eu vi, não sem inveja (da branca), o nascimento duma cronista de verdade.
Família maionese
Sobre famílias constituídas por casais gays
Há um comercial de maionese Heinz da TV inglesa no qual um homem prepara algo na cozinha, quando se aproxima um garotinho pedindo algo para a mãe, o homem vira-se, a pergunta era para ele. Na seqüência, chega uma menininha que também o chama de mãe e recebe dele um sanduíche para a escola, como o irmão. Por último, um homem de terno e pasta, despede-se com um “até a noite amor” e escuta, “você não está esquecendo alguma coisa?”, eles trocam um selinho e o primeiro arremata com um “eu te amo” (veja no: http://www.youtube.com/watch?v=Xl0bkv0jCCM). Continue lendo…
Contos do amor insuficiente
Sobre o livro O silêncio dos Amantes de Lya Luft
Amar é… incomunicabilidade. O silêncio dos Amantes, o mais recente livro de Lya Luft (Ed. Record), é um passeio, por vezes triste, ora fantástico, mas sempre emocionado pelas limitações do amor. Nos contos de Lya tem gente que até ama, mas, mesmo assim, se suicida. Há as mães órfãs de seus filhos tragicamente perdidos. Há os filhos que percebem o amor destrutivo dos seus pais, alcoolistas, violentos, maus.
Um naturalista a bordo da nau dos sonhos
Sobre artista plástico Walmor Correa
Houve tempos em que não era necessário sair da terra para fazer viagens fantásticas. No passado, quando tantos lugares ainda eram desconhecidos, bastava subir a bordo de um navio para ver desfilar inimagináveis maravilhas. Mesmo assim, jamais nos conformamos com o que a realidade tinha para nos oferecer. Dragões, hidras, gigantes, sereias, fadas, os monstros mais variados eram descritos e desenhados, como prova de que nossa imaginação não perde sua gula: ela jamais se satisfaz com o que consta no cardápio da natureza.
Noivos nervosos
Sobre as pomposas cerimônias de casamento
Acontece na vida real, acontece na televisão: o casamento é um ritual cada vez mais complexo, cheio de detalhes tão insignificantes quanto significativos. Na televisão a cabo, há programas, do tipo reality show, onde uma noiva estressada é acompanhada nos preparativos do seu dia de princesa. Há outro só sobre comidas de banquete de casamento, e ainda “Três noivas gordas e um vestido magro”, uma competição de perda de peso pela indumentária, entre tantos outros. Na vida real, a preparação da cerimônia leva no mínimo meses: todo detalhe é importante, flores, roupas, champagne, comidas, luzes, devem se combinar numa apoteose em que cada item deve traduzir o amor dos noivos, selar sua união.
Ana Maria Taborda
Sobre teatro e o adeus a esta diretora
No final da década de 70, a ditadura mostrava suas primeiras fissuras. Além de garantir a abertura, minha geração tinha outra missão importante: curar a própria ignorância cultural e a alheia. Anos e anos de censura e protestos e a promessa de que amanhã iria ser outro dia. Esse amanhã, sentíamos, estava em nossas mãos.