Sabedorias e ingenuidades no amor
Sobre o filme o amor não tira férias, The Holyday
Comédias românticas são as herdeiras dos contos de fadas e cada temporada de férias inaugura uma nova leva. A de plantão é: O amor não tira férias (The Holiday), tradicional trama em que as vidas das personagens se entrecruzam, em direção ao esperado viveram felizes para sempre.
Monk, Adrian Monk
Sobre o detetive da série de TV
Fui fã de carteirinha de Columbo, um seriado onde os vilões eram poderosos ou ricaços pretensiosos, enquanto o detetive, por sua vez, não podia ser mais gauche na vida. Vesgo, gordinho, de meia idade, trajando uma gabardine suja e puída. Seu maior truque era exatamente sua imagem. Esse ar de pobretão, bancando o chato e burro, levava os assassinos a nunca contar com sua astúcia. Quando descobriam que Columbo era esperto já era tarde, estavam presos.
Lembraram de Mim
Sobre o filme O ano em que meus paisa siram de férias, a vida das crianças
Como muitos da minha geração, tenho uma história marcada por múltiplos silêncios, códigos, frases entreditas e olhares paranóicos. Cresci entre sobreviventes dos campos de extermínio, mudos sobre suas desventuras na Europa, e vivendo entre adultos, no Uruguai e no Brasil, cujas opiniões políticas deviam ser caladas. Era questão de vida ou morte, porque o espírito dos carrascos parece reencarnar com uma certa facilidade. Minha infância foi habitada por fantasmas de gente torturada, morta, enterrada viva ou desaparecida. Havia a grande guerra do passado, com seus traumas pendentes, e a obscura guerra em curso, com o medo onipresente. Em minhas memórias as tramas de Auschwitz e das ditaduras latino americanas se entrecruzavam.
Veio de Cao Hamburguer, diretor de O ano em que meus pais saíram de férias, uma das abordagens mais delicadas da solidão das crianças naqueles anos de chumbo. O menino Mauro vive paralelamente a paixão futebolística, na gloriosa copa de 70, com o desaparecimento de sua família de militantes políticos. Ele está só, mas é membro orgulhoso duma multidão eufórica.
Época estranha, onde era muito bom e muito ruim de ser brasileiro. A situação do menino e do Brasil são equivalentes: ele oscilava entre a tristeza pessoal e a alegria da torcida, num país que crescia em prestígio esportivo enquanto em seus porões a inteligência nacional era sufocada. Nesse contexto, a copa não era apenas distração, pão e circo para o povo, era uma estratégia de sobrevivência, era a coletividade possível do momento.
Hamburger nos re-conecta emocionalmente com o espírito da época. Muitos adultos eram como crianças, compreendiam fragmentariamente. Alguns até se sentiam inquietos, muitas vezes paralisados, mas todos torciam. No Bom Retiro paulistano do filme, brasileiros imigrantes de todo tipo, falantes de um português oblíquo, encontraram na seleção canarinho um jeito de pertencer aos “90 milhões em ação, pra frente Brasil”. Para os brasileiros natos ocorria o mesmo, o coração da nação corria redondo em campo, o resto era silêncio.
Crianças são cidadãs a seu modo. Por mais que os adultos se calem, mintam e omitam, elas vão observar atentamente tudo. Não farão comentários, são dotadas de extrema politesse. Num velho filme francês, Jogos Proibidos (René Clement, 1952, disponível nas locadoras), uma garotinha e seu amigo fazem uma versão lúdica do mundo assombrado que lhes tocou viver, a França ocupada. Eles constroem um cemitério de animais, lembrando que na guerra a personagem principal é mesmo a morte.
A vida das crianças não é dissociada da dos adultos, embora tenham pouca chance como protagonistas, estão longe de ser figurantes. Como seus pais, Mauro sofreu e sonhou enquanto brasileiro, ganhou a copa e perdeu a família. Crianças não são meras testemunhas da história, são participantes e intérpretes, elas são o futuro nutrindo-se do presente. Recordo do silêncio dos adultos da minha infância, talvez por isso meu ofício seja, como psicanalista, o de desvelar segredos e histórias.
Exma. Senhora Governadora:
Sobre mulheres no poder
O ano da sua eleição coincide com o de falecimento da feminista octogenária Betty Friedan. A célebre autora da Mística Feminina (1963), antes de ter sido militante da causa das mulheres, foi uma arguta intérprete da depressão das donas de casa americanas de seu tempo. Enquanto elas passeavam sua desesperança entre cosméticos, papéis de parede floridos, eletrodomésticos e crianças movidas à manteiga de amendoim, Friedan tentava responder a pergunta que não quer calar: o que elas querem afinal?
Livros e Remédios
Sobre a Feira do Livro
Viver é dolorido, verifique a quantia de analgésicos vendidos a granel. Viver é cansativo, tome Stressimil, Anticolapsox. Viver sabe ser triste, antidepressivo resolve. Viver enerva, Nervocalm drágeas, tira o sono, Insonial, para uma noite normal, e para disfunções sexuais, Orgasmax. Ficar de pé é ruim, Varizem, sentado dá hemorróidas, Proctolac creme. Viver enfraquece, Ferrosol com Vitaminoplus. Para hipertensão, Antiexplodium, na diarréia, Rolyol, prisão de ventre, Excreflux, para gases, Pheidolax. Viver causa fome excessiva, Bulimim, tira o apetite, Gulol. Pensar desconcentra, tome Cocalina. Viver deixa inválido, viver mata.
A nova face do inferno
Sobre o filme O diabo veste prada, moda e fé
A trama de “O diabo veste Prada” é bem simples: jovem jornalista inteligente desce ao inferno do mundo da moda, fascina-se com suas tentações, o diabo a seduz com ofertas de poder e beleza, mas ela resiste a vender sua alma.
Orgulho e espetáculo
Sobre o orgulho de ser gay
Não me orgulho de ser heterossexual, aliás, tanto faz, a ninguém importa mesmo. O Orgulho Gay foi e é a tônica de um movimento que veicula uma visão politicamente fundamental: não há motivo para se envergonhar por amar uma pessoa do mesmo sexo. Sonho com o dia em que a primeira frase duma crônica fosse assim: “Não me orgulho de ser homossexual, aliás, tanto faz, a ninguém importa mesmo”. Mas é claro, estamos falando de um ideal. Continue lendo…
Jornalismo-Arte
Sobre o livro de Eliane Brum, A vida que ninguém vê
Já foi notícia a vida real de anti-heróis absolutos, antônimo dos famosos insossos que dão as Caras pra gente olhar. Nas colunas publicadas ao longo de vários sábados de 1999, neste jornal, a jornalista Eliane Brum foi desvelando “vidas próprias, desacontecimentos, não fatos, antinotícias, anonimatos”, fazendo exatamente o inverso do que se solicita que os jornalistas façam: manter-nos a par do que é importante e imprescindível de saber. Você pode reencontrar a beleza desses textos no livro “A Vida que Ninguém Vê” (Arquipélago Editorial, lançado ontem).
homens livro
Sobre Fahrenheit 451
Há muitos anos espero a oportunidade de rever um dos meus filmes mais queridos que acaba de chegar às locadoras. É “Fahrenheit 451” (François Truffaut, 1966), baseado no clássico de Ray Bradbury, escrito em 1953. O título alude à temperatura na qual os livros entram em combustão.
Bradbury projetou, para um futuro não muito distante, uma sociedade alienada, onde a população idiotizada era mantida distante de qualquer coisa que pudesse gerar angústias, dúvidas ou tristezas. Uma sociedade de semi-analfabetos, alimentados cotidianamente pela ilusão de participar de uma programação televisiva simplória e realista. Contentavam-se com metas medíocres, como a aquisição de objetos da moda, o aumento da capacidade de consumo, o cuidado com a auto-imagem. Também se dedicavam à vida social, baseada em conversas fúteis, principalmente sobre TV. Para garantir um estado de espírito compatível com essa rotina bovina tomavam remédios regularmente. Sentimentos e emoções eram proibidos, nenhuma manifestação artística era suportável. Os livros, remanescentes clandestinos de um passado recente, Continue lendo…
Quem está falando?
Sobre textos apócrifos na internet, assunto do livro Caiu na Rede
Sabe aquela famosa poesia da Clarice Lispector, “Não te amo mais”, que quando lida de cima para baixo é o texto de um fora e em direção contrária torna-se uma declaração de amor? Não é dela, que nem era poeta, é de autor anônimo. E a tão divulgada crônica “Bunda Dura”, de Jabor, ou “Nem fodendo”, do Millôr? Idem. Além deles, Veríssimo, Quintana e Borges, entre outros, assinam involuntariamente textos que os internautas passam entre si, muitos deles escritos por autores anônimos. Sofrem desse mal até excelentes escritos de autores nada anônimos, como Martha Medeiros ou Kledir Ramil, que encontram na rede suas palavras assinadas por Veríssimo. Àqueles que introduzem o equívoco, deve parecer que ele é o patrono do humor.