Prisão Domiciliar
Violência urbana
Só saia de casa à noite se for indispensável. Ao entrar e sair de seu domicílio verifique o território. Crianças e jovens devem circular sob tutela. No transporte público, observe os outros passageiros, jamais descuide seus objetos pessoais. Na rua, detecte atitudes suspeitas e afaste-se. Instale grades, cercas elétricas, câmeras, cães e contrate um serviço particular de policiamento armado. De carro não abra os vidros, não pare. Viva em condomínios ou bairros fechados. Se ameaçado, obedeça. Pensando bem, não saia de casa de dia também, só se for indispensável.
Mais um muro que cai
Sobre a guerra em Israel, crônica não publicada
O Estado de Israel quase foi meu destino. A idéia da terra prometida serviu para minha família como possibilidade de refúgio, de um lugar onde enfim deixaríamos de ser estrangeiros. Por circunstâncias da vida, o projeto de imigração não vingou, mas sempre olho para lá como uma das vidas que não tive. Parentes meus que constituíram as primeiras levas de sionistas deram trabalho e vidas para esse sonho: acreditava-se que era possível constituir uma sociedade diferente, onde a intolerância fosse impraticável e a ganância algo sem sentido. Tendo perdido tudo tantas vezes, seus seres queridos, seu patrimônio e sua dignidade, aos judeus seria possível compreender o que é que realmente vale nessa vida.
Automóveis pós-individualistas?
Sobre o filme infantil Carros
Depois de assistir Carros, último filme de animação da Disney-Pixar, você se dirige ao estacionamento e quase cumprimenta os veículos. Não é um sentimento tão estranho: no trânsito, em geral tendemos a confundir o motorista com seu veículo dizendo coisas como: “aquele Uno está louco!” ou “o quê aquela Pajero está pensando que é?”.
Corpos
Sobre a imagem corporal
Nesses dias de copa os jogadores de futebol colocam seus dotes físicos a serviço do orgulho nacional. O corpo do esportista é objeto de admiração, mas às custas de inclemente exigência, vide a comoção nacional pelo sobrepeso de Ronaldo. Eles encarnam nosso desejo de transcender os limites da capacidade física, não importando o quanto isso possa doer. Deles, qualquer falha é imperdoável.
Feiúras
Sobre o livro A vida sexual da mulher feia, de Claudia Tajes
Vocês conhecem a Jú? Trata-se duma mulher feia, criada pela escritora Claudia Tajes, em seu livro “A vida sexual da mulher feia” (Agir, 2005). Jú, Jucianara, porque nem o nome possui encanto, é devotada ao amor e à comida, mas nem um nem outro saboreia, ambos são devorados e a devoram. Jú não é feia porque é gorda, mas porque é escroncha, além disso é ácida em suas observações e demolidora na autocrítica.
A outra FIFA
Sobre os que não gostam de futebol
Fui incumbida de uma tarefa, embora constrangedora, necessária e de utilidade pública. Trata-se duma revelação: a da existência da FIFA, não a conhecida, mas outra. A Federação dos Indiferentes ao Futebol Anônimos. Reunimo-nos na sala ao lado dos grupos que lutam contra seus vícios, pois, não pense o leitor, que somos resignados à nossa limitação.
As mães dos meninos do tráfico
Sobre o documentário de MV Bill
Dia das mães é meloso, retratos de mulheres felizes, mas não é assim para todas. Onde a “a bala come e a lei é do cão”, não há muito a comemorar. Recentemente, assistimos no documentário de MV Bill veiculado pelo Fantástico, à dura realidade de crianças e adolescentes que encontraram no tráfico o segmento social que os acolheu. Se é que algum dia tiveram uma figura paterna, dela já são órfãos. Esses meninos têm como seu “só a minha mãe, e esse come-chumbo aqui na minha mão”.
Decodificando a culpa masculina
Sobre o filme O Codigo da Vinci
Cenas de correrias e empolgações à parte, o popular livro de Dan Brown que está chegando aos cinemas parece demonstrar que o cinema e a literatura podem aproximar-se mais do que acreditávamos: Código da Vinci já é um filme impresso. O que não é uma censura. Nos dias em que andei com ele em baixo do braço, não houve fila ou sala de espera que me irritasse, estava imersa nessa aventura de bolso.
Freud implica
Implica sobre os 150 anos do nascimento de Freud
No princípio, a psicanálise parecia uma aventura de horror e exorcismo. Quando Freud era um aprendiz de feiticeiro, a histeria tinha ares de espetáculo e obscurantismo. Na França, o jovem médico austríaco observou como o Dr. Charcot era capaz de produzir ataques histéricos em seus pacientes com seu magnetismo pessoal. Na mesma temporada, viu que sugestão e hipnose tinham o poder debelar essas irrupções de patologia tão vistosas, com suas paralisias, ataques e visões. Eram os tempos de O Médico e o Monstro (R.L.Stevenson,1886). Já não ignorávamos que havia algo dentro da nossa alma que conspirava contra a moral e os bons costumes, mas parecia um conteúdo a ser eliminado.
POBRE MENINA RICA
Sobre o assassinato dos pais por Suzane Von Richthofen
A história de Suzane Richthofen tem todos os ingredientes dum grande drama: bonita, mimada, universitária, poliglota, pais ricos com sobrenome nobre, mas namorou um rapaz pobre, inculto e envolvido com drogas. Dois mundos se encontraram num resultado funesto. Num país de baixa mobilidade social, não a perdoamos por ter tido as melhores chances e fazer tão feio. Sua história abala nossa fé na educação das crianças. Infelizmente, a fartura de recursos não impede a pobreza de espírito.