Lua adversa
Sobre a Tensão Pré Menstrual
Temos fases, como a lua: fases de ser autoritárias, queixosas ou vingativas com os colegas de trabalho; de ficar furiosas em casa por motivos aparentemente irrelevantes; de chorar por tudo, tudo mesmo; de sentir-se exaustas de viver; certas de estar sendo maltratadas e de ser as piores mulheres no pior dos mundos. Nome técnico desse quadro: TPM. Parece que somos portadoras de uma doença cíclica, que até justifica certa tolerância social. Há um litígio em curso com a nossa anatomia, que nos autoriza a ficar histéricas com licença médica uma vez por mês.
“Sua vida trouxe você até aqui”
Sobre a memória
Essa frase é o texto de um comercial. Na imagem que acompanha, um rapazote cabeludo, em idade de andar de ônibus, observa o que a propaganda anuncia como “Novo Prisma. Seu primeiro grande carro”. Atrás dele a vida é simbolizada por um bizarro e interessante grupo amontoado: família, amigos, amores, colegas de diversas fases da vida, médicos, religiosos, professores, mas também há personagens ficcionais, representantes da cultura pop e de comerciais.
Sabedorias e ingenuidades no amor
Sobre o filme o amor não tira férias, The Holyday
Comédias românticas são as herdeiras dos contos de fadas e cada temporada de férias inaugura uma nova leva. A de plantão é: O amor não tira férias (The Holiday), tradicional trama em que as vidas das personagens se entrecruzam, em direção ao esperado viveram felizes para sempre.
Precisamos falar sobre o Kevin
Sobre o livro de Lionel Schriver e os desencontros na maternidade
Durante milênios, submetemo-nos docilmente ao mandato do crescei e multiplicai-vos. Os homens entravam com o nome, nós com o corpo. Úteros escravos, peitos serviçais, não nos cabia escolha. Mas fomos progressivamente assumindo a liberdade que o progresso da anticoncepção nos deu. Aprendemos que era possível escolher se iríamos engravidar ou não, sem ter que virar freiras ou celibatárias.
Monk, Adrian Monk
Sobre o detetive da série de TV
Fui fã de carteirinha de Columbo, um seriado onde os vilões eram poderosos ou ricaços pretensiosos, enquanto o detetive, por sua vez, não podia ser mais gauche na vida. Vesgo, gordinho, de meia idade, trajando uma gabardine suja e puída. Seu maior truque era exatamente sua imagem. Esse ar de pobretão, bancando o chato e burro, levava os assassinos a nunca contar com sua astúcia. Quando descobriam que Columbo era esperto já era tarde, estavam presos.
Lembraram de Mim
Sobre o filme O ano em que meus paisa siram de férias, a vida das crianças
Como muitos da minha geração, tenho uma história marcada por múltiplos silêncios, códigos, frases entreditas e olhares paranóicos. Cresci entre sobreviventes dos campos de extermínio, mudos sobre suas desventuras na Europa, e vivendo entre adultos, no Uruguai e no Brasil, cujas opiniões políticas deviam ser caladas. Era questão de vida ou morte, porque o espírito dos carrascos parece reencarnar com uma certa facilidade. Minha infância foi habitada por fantasmas de gente torturada, morta, enterrada viva ou desaparecida. Havia a grande guerra do passado, com seus traumas pendentes, e a obscura guerra em curso, com o medo onipresente. Em minhas memórias as tramas de Auschwitz e das ditaduras latino americanas se entrecruzavam.
Veio de Cao Hamburguer, diretor de O ano em que meus pais saíram de férias, uma das abordagens mais delicadas da solidão das crianças naqueles anos de chumbo. O menino Mauro vive paralelamente a paixão futebolística, na gloriosa copa de 70, com o desaparecimento de sua família de militantes políticos. Ele está só, mas é membro orgulhoso duma multidão eufórica.
Época estranha, onde era muito bom e muito ruim de ser brasileiro. A situação do menino e do Brasil são equivalentes: ele oscilava entre a tristeza pessoal e a alegria da torcida, num país que crescia em prestígio esportivo enquanto em seus porões a inteligência nacional era sufocada. Nesse contexto, a copa não era apenas distração, pão e circo para o povo, era uma estratégia de sobrevivência, era a coletividade possível do momento.
Hamburger nos re-conecta emocionalmente com o espírito da época. Muitos adultos eram como crianças, compreendiam fragmentariamente. Alguns até se sentiam inquietos, muitas vezes paralisados, mas todos torciam. No Bom Retiro paulistano do filme, brasileiros imigrantes de todo tipo, falantes de um português oblíquo, encontraram na seleção canarinho um jeito de pertencer aos “90 milhões em ação, pra frente Brasil”. Para os brasileiros natos ocorria o mesmo, o coração da nação corria redondo em campo, o resto era silêncio.
Crianças são cidadãs a seu modo. Por mais que os adultos se calem, mintam e omitam, elas vão observar atentamente tudo. Não farão comentários, são dotadas de extrema politesse. Num velho filme francês, Jogos Proibidos (René Clement, 1952, disponível nas locadoras), uma garotinha e seu amigo fazem uma versão lúdica do mundo assombrado que lhes tocou viver, a França ocupada. Eles constroem um cemitério de animais, lembrando que na guerra a personagem principal é mesmo a morte.
A vida das crianças não é dissociada da dos adultos, embora tenham pouca chance como protagonistas, estão longe de ser figurantes. Como seus pais, Mauro sofreu e sonhou enquanto brasileiro, ganhou a copa e perdeu a família. Crianças não são meras testemunhas da história, são participantes e intérpretes, elas são o futuro nutrindo-se do presente. Recordo do silêncio dos adultos da minha infância, talvez por isso meu ofício seja, como psicanalista, o de desvelar segredos e histórias.
Exma. Senhora Governadora:
Sobre mulheres no poder
O ano da sua eleição coincide com o de falecimento da feminista octogenária Betty Friedan. A célebre autora da Mística Feminina (1963), antes de ter sido militante da causa das mulheres, foi uma arguta intérprete da depressão das donas de casa americanas de seu tempo. Enquanto elas passeavam sua desesperança entre cosméticos, papéis de parede floridos, eletrodomésticos e crianças movidas à manteiga de amendoim, Friedan tentava responder a pergunta que não quer calar: o que elas querem afinal?
Livros e Remédios
Sobre a Feira do Livro
Viver é dolorido, verifique a quantia de analgésicos vendidos a granel. Viver é cansativo, tome Stressimil, Anticolapsox. Viver sabe ser triste, antidepressivo resolve. Viver enerva, Nervocalm drágeas, tira o sono, Insonial, para uma noite normal, e para disfunções sexuais, Orgasmax. Ficar de pé é ruim, Varizem, sentado dá hemorróidas, Proctolac creme. Viver enfraquece, Ferrosol com Vitaminoplus. Para hipertensão, Antiexplodium, na diarréia, Rolyol, prisão de ventre, Excreflux, para gases, Pheidolax. Viver causa fome excessiva, Bulimim, tira o apetite, Gulol. Pensar desconcentra, tome Cocalina. Viver deixa inválido, viver mata.
A nova face do inferno
Sobre o filme O diabo veste prada, moda e fé
A trama de “O diabo veste Prada” é bem simples: jovem jornalista inteligente desce ao inferno do mundo da moda, fascina-se com suas tentações, o diabo a seduz com ofertas de poder e beleza, mas ela resiste a vender sua alma.
Orgulho e espetáculo
Sobre o orgulho de ser gay
Não me orgulho de ser heterossexual, aliás, tanto faz, a ninguém importa mesmo. O Orgulho Gay foi e é a tônica de um movimento que veicula uma visão politicamente fundamental: não há motivo para se envergonhar por amar uma pessoa do mesmo sexo. Sonho com o dia em que a primeira frase duma crônica fosse assim: “Não me orgulho de ser homossexual, aliás, tanto faz, a ninguém importa mesmo”. Mas é claro, estamos falando de um ideal. Continue lendo…