O tabu da morte
Texto sobre as dificuldades de elaboração da morte
“A morte é um problema dos vivos. Os mortos não têm problemas”
Norbert Elias
No final do ano passado, assistimos à crise em torno da doença de Ariel Sharon, que teve um grave derrame cerebral quando estava no centro da vida política israelense. Sua ausência gerou tanta confusão que chegou a cogitar-se lançá-lo como candidato à próxima eleição enquanto ele estava hospitalizado em coma, com prognóstico de sobrevivência reservado. No Brasil, duas décadas atrás, sofremos a agonia de Tancredo Neves, transmitida em cadeia nacional enquanto, nos bastidores, os políticos encontravam uma saída para a nossa frágil democracia. Já o papa agonizou em praça pública, em tempo real, via satélite. O espetáculo público da doença e morte desses homens ilustres, os boletins médicos televisivos que esclarecem detalhes da decadência de seus corpos, os cortejos fúnebres monumentais, até fazem parecer que temos lugar para a morte em nossas mentes e em nossa sociedade.
Auto-ilusão
Texto sobre a falácia da auto susficiência, sobre o filme Muito além do jardim
Entre as tantas palavras que nosso tempo adotou com paixão, uma das prediletas é o prefixo “auto”. E não se trata do automóvel, que tem esse apelido, mas de auto-ajuda, auto-estima, autodidata, autocrítica, auto-biografia, auto-suficiência, ou seja, da autonomia enquanto um ideal. O sujeito auto-suficiente é uma espécie de tradução psicológica do “self made man”, aquele que fez a si mesmo, que foi o grande personagem do capitalismo nascente.
Simplicidade complicada
Sobre o livro de Marcelo Carneiro da Cunha, Simples, o amor nos anos 00
Amores de verão não são necessariamente fugazes, mas se o forem, nem por isso serão menos importantes. Setembro e outubro são cheios de aniversários, afinal, o descanso favorece os encontros. O fim das férias sempre traz o tema do amor, se algo não aconteceu, queixamo-nos de que deveria ter ocorrido. Se foi passageiro, temos o resto do ano para lembrar, com saudade, mágoa ou prazer. Portanto, talvez mais do que na primavera, é no verão que convém falar de amor.
Os que vão morrer
Sobre a morte nos hospitais, crônica não publicada
Amanhã, faz exatos vinte anos que se encerrava outra agonia, nem tão global quanto a do papa, mas que foi importante para os brasileiros: a do primeiro presidente pós ditadura, Tancredo Neves, cuja doença acompanhávamos apreensivos pelo destino da nossa renascente democracia. O espetáculo público do fim da vida destes homens ilustres, entre tantos outros que tiveram direito a cortejos monumentais, faz parecer que temos lugar para a morte em nossa sociedade. Suportamos e até glorificamos a exposição de seus corpos, mas essas homenagens não implicam em que estejamos habilitados para um trato social com o ato de morrer, cujo acontecimento ainda é para nós um tabu.
Madame Carlota
Sobre o misticismo feminino
Macabéa, personagem de “A Hora da Estrela” de Clarice Lispector é pior que feia, é um nadinha de gente. Moça que “ninguém olhava na rua, era café frio”, com “olhar de quem tem uma asa ferida” e, pior, nem sabia que era infeliz. Essa figura insípida teve um único momento de glória na vida: quando consultou Madama Carlota, médium e cartomante. Prevendouma paixão com um estrangeiro rico, de olhos azuis, a Madama fez brotar uma mulher das entranhas daquele corpo árido. Quando ela poderia sequer ousar fantasiar uma coisa dessas? Saiu de lá “grávida de futuro”, sabendo que um dia ia botar corpo, ser amada. Mais não conto a modo de não estragar a história.
Apocalipse Now
Sobre a fantasia de fim de mundo
Um final pode ser feliz. Formaturas e festas de Ano Novo, por exemplo, são finais celebrados. Mas nem só de pequenos finais vive o homem, os grandes também têm seus encantos. A idéia de que o fim do mundo é eminente parece tender a desencadear um imenso carnaval orgiástico, ao estilo catástrofe festiva do declínio do Império Romano.
Fora da toca dos ursos
Ursos sobre os incluidos e excluidos sociais
O natal é uma festa de família. É por isso que ainda conservamos o imaginário europeu da neve caindo lá fora, enquanto as famílias e amigos confraternizam em torno do fogo, como ursos hibernando na sua toca, mesmo com os habituais 30 graus lá fora. O importante é o contraste entre o frio externo e o calor interno, onde um valoriza o outro.
Turismo pela realidade cotidiana
Sobre artes plásticas e a Bienal de 2005
Para que serve visitar uma casa recoberta de pelúcia rosa? Uma parede que parece preenchida de vísceras? Ir a uma sala de museu sem obras? Atravessar um esvoaçante varal de camisas brancas? Assistir à propaganda de um produto absurdo? Experimentar combinações de cores, profundidades e formas inusitadas?
Os mortos também amam
Sobre o filme Noiva Cadáver, de Tim Burton
No recente finados não fui ao cemitério, fui ao cinema. Depois me dei conta que não foi exatamente uma heresia para com os mortos, e sim uma homenagem. Assisti Noiva Cadáver, um conto de fadas em animação (stop-motion), do sombrio Tim Burton. No enredo, um rapaz enfermiço tem seu amor disputado entre duas moças, sendo que uma delas, morta e em decomposição, é paradoxalmente mais charmosa e sedutora do que a viva. Não bastasse, o mundo dos vivos é cinzento, melancólico e mecânico. Já a subterrânea terra dos mortos é uma festa: musical, alegre, repleta de simpáticos personagens bizarros, como costuma ser a comemoração do dia dos mortos no México.
Basta um dia de fúria…
Pró desarmamento
Tenho tão parca confiança em convencer algum leitor com minha opinião pró-desarmamento, quanto tenho de que ele signifique a solução para o problema da violência. Discussões são necessárias e bem vindas, mas o homo sapiens sempre se acha mais sapiens do que é, portanto pouco teria a aprender com o argumento alheio, estamos mais para “homo teimosos”. Para findar com a guerra civil entre castas econômicas em que estamos submersos é preciso muito mais do que a retirada das armas daqueles dispostos a obedecer à lei. É urgente providenciar educação e inclusão social em altíssimas doses. De qualquer forma, acredito que há muito a ganhar desarmando nossa vida privada.