Os filhos de Adolf e Magda
Sobre o filme A queda, as últimas horas de Hitler
Gosto de me imaginar que se tivesse vivido no tempo da Segunda Guerra Mundial, teria sido da Resistência, ou que estaria entre os que lutaram no Gueto de Varsóvia. Mas e se eu ou você fossemos cidadãos alemães, amargando a derrota moral e econômica da I Guerra, os tempos duros que propiciaram a ascensão de Hitler, teríamos sabido discernir? Teríamos percebido a monstruosidade de sua proposta?
O eterno retorno do terror trash
Sobre filmes de terror para e com adolescentes
Isto não é uma recomendação, se você assistir esse filme não me culpe. Trata-se de A Casa de Cera (Jaume Collet-Serra, 2005), a mais recente versão de uma repetitiva fórmula de filmes de chacina de adolescentes, que faz sucesso há, no mínimo, duas décadas. A questão é pensar a que público e finalidade ela serve. Não há nada de novo nesse representante do estilo inaugurado por monstros como Jason (Sexta Feira 13, 1980) e Freddy Krueger (A Hora do Pesadelo, 1984). Agora temos um par de gêmeos malignos, filhos de uma artista que fabricava sinistros bonecos de cera. A obsessão dos irmãos é transformar pessoas em bonecos de cera e assim terminar a obra da finada mamãe. Para tanto, as vítimas de plantão serão as de sempre, provenientes de um alegre e frívolo grupo de jovens americanos, cuja única preocupação parece ser transar e se divertir. Claro, serão quase todos massacrados enquanto inocentemente estavam distraídos com seus jogos sexuais.
Um novo tipo de princesa
Sobre o centenário do livro A princesinha, de Frances Burnett
A história infanto-juvenil A Princesinha, faz cem anos. Escrita pela anglo-americana Frances Hogdson Burnett em 1905 (Editora 34,1996), possibilita uma boa tradução do tipo de princesa que o século XIX nos legou. Ainda há lugar no coração das meninas para as lânguidas belas adormecidas à espera dos príncipes. Até mesmo para a Cinderela, que foi um pouco mais ativa, embora tenha dedicado suas artimanhas apenas à sedução de um amado. Há uma novidade em Sara, esta princesinha: ela não só precisa mostrar-se feminina (através da sensibilidade e da capacidade de fantasiar), como também terá que ser forte e independente, como os homens. Há muitos contos de fadas onde as princesas passam por maus bocados, mas a vitória final é sempre a conquista de um príncipe
Mamãe Eletrônica
Sobre a televisão como babá eletrônica de pequenos e grandes
A mãe não nasce no parto do filho. A maternidade se constrói com muito trabalho e intermediada pelos cinco sentidos. O tato, no toque de pele do colo, o olfato, no cheiro dela, no gosto do leite doce do peito, a audição dos sons de sua voz, a visão da imagem de seu rosto, com dois olhos mirantes que são um oásis nos momentos de desamparo do bebê. Isso tudo não comparece de forma aleatória, porque senão a cabecinha do bebê ficaria um caos. Tem uma certa lógica do como e do quando se ganha colo, por exemplo ao chorar, despertar e mamar; as refeições tendem a ter pausas regulares; o cheiro dela sempre anuncia sua presença; suas falas e músicas marcam momentos específicos, seja para ninar ou para se agitar. Mães são previsíveis, sempre dizem a mesma coisa, com o mesmo tom de voz.
Mas a gente cresce, precisa tomar banho sozinho, providenciar uma alimentação regular e nutritiva, dormir horas suficientes e com muita sorte aparece alguém para nos cuidar quando ficamos doentes. Os médicos fazem um pouco a função, outrora materna, de zelar pela nossa saúde cotidiana: coma fibras, faça exercícios, sol dá câncer, vacine-se contra a gripe. Porém, não é o suficiente, pois na vida adulta falta-nos um elemento vital da maternidade: a rotina. É em nome dela que cultivamos algumas excentricidades: por exemplo, como tomar banho, a organização do ambiente necessária para conseguir dormir, a escolha do que comemos. Enfim nossos horários e chatices. Aqui se mostra a importância de um aspecto da TV.
Há pessoas que situam os acontecimentos de seus dias conforme a programação televisiva: tal coisa ocorreu depois do Fantástico, ou durante o Jornal Nacional. Os personagens das novelas, dos “reality” shows ou os apresentadores parecem familiares. O locutor do noticiário fala como se nos olhasse e se importasse conosco. Mas o essencial desse vínculo é a previsibilidade, a seqüência interminável dos capítulos, a simplicidade dos personagens, a repetição das propagandas, tudo tão pouco surpreendente. A TV encanta também pela sua regular banalidade. Óbvio que espero dela também um espaço para a criação artística e para a novidade, porém não deixo de admitir o valor de sua presença ro tineira, como as mesmas coisas que uma mãe diz, as mesmas músicas que ela canta, os mesmos pratos que ela prepara. Uma mãe é feita de mesmice e tudo que na nossa vida é herdeiro da importância desse vínculo também o será. Ninguém fica totalmente só quando a TV nos oferece sua constância aparentemente atenciosa. Ela é a amiga das crianças, dos viúvos e separados, das pessoas cansadas, dos doentes e dos adultos nas horas solitárias. Se é para chamá-la de babá eletrônica, como dizem, admitamos que serve para todos. E como a babá é a substituta da mãe, a TV também sabe ser uma espécie de mãe eletrônica. Não tem tato, nem cheiro, mas tem som e uns olhos que fingem nos olhar. Nesse próximo dias das mães, minha homenagem também para essa senhora de vidro que nunca nos abandona.
Ressaca dos anos 80
Sobre o filme Angels in America, AIDS
Nos anos 80, o movimento estudantil e outras vanguardas alardeavam pública e politicamente que João podia amar Pedro e a diversidade sexual era uma teoria e uma prática. Eram tempos pós-hippies, nos quais não se tratava mais de um contraponto hedonista para um mundo reacionário. A questão era de legitimidade social das diferenças. Foi nesse contexto que a epidemia da AIDS fez suas primeiras vítimas. É difícil encontrar alguém da minha geração que não tenha perdido algum ser querido naquela década, quando a doença mostrava suas garras e os remédios para controlá-la ainda não existiam. Parecia castigo divino, a ponto de que havia quem acreditava que o vírus era uma arma secreta, desenvolvida artificialmente em prol do moralismo e da normatização sexual. Obviamente tal teoria era delirante, mas como se manter lúcido frente a essa provocação do destino: quando finalmente o movimento gay começava a ser massivo, uma doença epidêmica vitimava fatalmente, principalmente os homossexuais masculinos.
Coelhinho da páscoa o que trazes pra mim?
Sobre acreditar nele na infãncia
Sinto muito se vou destruir a fantasia de muita gente, mas cabe-me a incumbência cruel de desmascarar uma mentira: o Coelho da Páscoa não existe. Os adultos compram chocolates em forma de ovo, coelho e cenoura, montam e escondem cestos com doces e palha, espalham pegadinhas brancas pelo chão da casa, tudo para manter viva sua crença no peludo emissário da festa da gula infantil. As crianças, por sua vez,fazem-se de bobas, afinal, porque desiludir essa gente tão grande e tão frágil que também precisa brincar? Nada tenho contra a fantasia do Coelho da Páscoa compartilhada em família (muito menos contra os chocolates). Gostaria apenas de elucidar a quem e para quê servem certos personagens fictícios que apresentamos às crianças, como esse coelho, a Fada dos Dentes e o Papai Noel, que estão entre os mais populares da ala do bem.
Travessura de um Mestre
Sobre o historiador Decio Freitas
De um jeito ou de outro, todo portoalegrense já ouviu falar dos crimes da rua do Arvoredo. Em meados do século XIX existiu um açougueiro, José Ramos, que transformou homens em lingüiças. As vítimas eram atraídas a seu estabelecimento por artimanhas sensuais de sua bela mulher. Catarina Palse, assim se chamava, era uma húngara e relacionava-se sexualmente com as futuras vítimas, além disso o desmanche dos cadáveres contava com a ajuda de um corcunda e, por último, o açougueiro costumava banhar-se, e ir ao Theatro São Pedro assistir à opera após seus crimes. Essa história reúne os elementos de tragédia e escândalo que o consumo popular exige, temos o mal, o sexo, a morte e o canibalismo.
Abortos
Sobre a legalização do aborto
Engravidar pode ser conseqüência de uma concepção planejada e buscada pelo casal, ou o resultado de um acidente, causado por falta de informação, pela falha de um método anticoncepcional ou por uma cilada do corpo.
Onde se encontra a Terra do Nunca
Sobre o filme Em busca da Terra do Nunca, em 23/02/2005
Ninguém sabe ao certo quantas verdades do autor se expressam numa obra de ficção, tampouco é bem claro quanta realidade há num filme “baseado em fatos reais”. No fundo uma vida é uma história que contamos, principalmente para nós mesmos. Por isso Em Busca da Terra do Nunca, filme do diretor Marc Forster sobre a vida de J.M.Barrie, autor do clássico Peter Pan, não passa de mais uma lenda sobre a origem desse personagem. Se tivéssemos que colocar numa nave espacial umas cinqüenta coisas, consideradas representativas de nosso mundo, para ser encontrada por alienígenas e possibilitar que nos compreendam, há boa chance desta obra figurar entre elas. Surgido em 1902, Peter Pan é parte intrínseca de nosso imaginário, assim como de nossos pais e descendentes.
Perto demais da realidade
Sobre o filme Closer
Quando as luzes se acendem, as comédias românticas nos devolvem à vida com a sensação de que tudo o que temos é medíocre e sem graça, se comparado à magia, à sincronia e felicidade dos protagonistas. Já filmes como Perto Demais (Closer, dirigido por Mike Nichols, 2004) nos expulsam do cinema mais maduros e menos ingênuos.