Zero Hora
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Os mortos também amam

Sobre o filme Noiva Cadáver, de Tim Burton

No recente finados não fui ao cemitério, fui ao cinema. Depois me dei conta que não foi exatamente uma heresia para com os mortos, e sim uma homenagem. Assisti Noiva Cadáver, um conto de fadas em animação (stop-motion), do sombrio Tim Burton. No enredo, um rapaz enfermiço tem seu amor disputado entre duas moças, sendo que uma delas, morta e em decomposição, é paradoxalmente mais charmosa e sedutora do que a viva. Não bastasse, o mundo dos vivos é cinzento, melancólico e mecânico. Já a subterrânea terra dos mortos é uma festa: musical, alegre, repleta de simpáticos personagens bizarros, como costuma ser a comemoração do dia dos mortos no México.

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16/11/05 |
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Basta um dia de fúria…

Pró desarmamento

Tenho tão parca confiança em convencer algum leitor com minha opinião pró-desarmamento, quanto tenho de que ele signifique a solução para o problema da violência. Discussões são necessárias e bem vindas, mas o homo sapiens sempre se acha mais sapiens do que é, portanto pouco teria a aprender com o argumento alheio, estamos mais para “homo teimosos”. Para findar com a guerra civil entre castas econômicas em que estamos submersos é preciso muito mais do que a retirada das armas daqueles dispostos a obedecer à lei. É urgente providenciar educação e inclusão social em altíssimas doses. De qualquer forma, acredito que há muito a ganhar desarmando nossa vida privada.

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19/10/05 |
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João e Maria na Fábrica de Chocolate

Sobre o remake de A fantástica fábrica de chocolate

Casas onde se pode comer até as paredes são uma cilada. Para mais informações consulte João e Maria e as crianças que visitaram a Fantástica Fábrica de Chocolate. Estas últimas tiveram ainda menos sorte do que os irmãos do conto de fadas. Na nova versão filmada do livro de Roald Dahl, Johnny Deep, no papel de Willy Wonka, recebe quatro crianças insuportáveis e um guri humilde para visitar sua fábrica. Ele está em busca de um sucessor para administrar seu império de delícias, mas na prática dedica-se a punir os pequenos egoístas e seus pais. A história de Dahl é um clássico de crítica social, um manifesto contra famílias que criam filhos agressivos e egocêntricos, cuja maior missão é realizar os desejos pendentes na vida dos pais: vá meu filho e arranque da vida tudo o que ela ficou me devendo. Como todos sabem, o herdeiro de Wonka já está escolhido, é o menino humilde.

Famintos, João e Maria encontraram a casinha de doces da bruxa e começaram a comer tudo, da porta ao telhado, certos de estar no paraíso, mas quase foram devorados. Ao entrar na fábrica o efeito era o mesmo, de encher os olhos e as barrigas, mas o risco que espreitava agora era diferente. Para os irmãos do conto folclórico, o perigo era “materno”: o de uma mãe que queria reincorporar seu produto Foi-lhes preciso sofrer um bocado,  aprendendo a defender-se e a trabalhar, para que houvesse a troca dos bens digeríveis por outros mais mundanos (os tesouros da bruxa). Para as crianças que visitaram a Fábrica, o perigo era do tipo “paterno”: em suas famílias eram tratadas como reis, o orgulho dos pais, enquanto Wonka as considerava descartáveis e carentes de limites e castigos.

No filme de 1971, Wonka era uma mistura de feiticeiro sádico com fada dos doces, agora Deep faz o papel de um inventor maluco, que tem nojo de crianças e principalmente dos pais delas. Ele fora “traumatizado” por um pai dentista que, em nome da boca perfeita, o torturava com aparelhos e o proibia de comer doces. Essa é a novidade que separa a versão de Tim Burton do livro e do primeiro filme: temos uma psicogênese da bizarrice do dono da fábrica. Afinal, por que alguém que sofreu com a severidade de seu pai, odiaria os pais frouxos dos mal-criados? Pelo jeito, sua questão não é com os limites, mas sim com a expectativa delirante que pesa sobre os filhos. Charlie, o menino pobre, vem de uma família tão desvalida, que ninguém tem o que querer. Já Wonka quer aprisioná-lo e fazer dele seu herdeiro, num amor cheio de exigências, como o que lhe dedicou seu próprio pai. Enquanto João e Maria sofriam nas mãos da bruxa, Charlie enfrentava o perigo da voracidade de um pai possessivo. Tim Burton providenciou para que o menino não se entregasse, assim como Wonka quando se rebelou e fundou uma fábrica de cáries. É um alerta para as crianças: nem só as bruxas devoradoras assombram, certos pais também precisam ser jogados no forno.

18/10/05 |
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Princesinha Punk, a rebeldia domada

Sobre a popularidade de Avril Lavigne

Ela é somente “uma princesinha punk, tentando fazer as coisas direito”(sic). A micro-pop-star canadense Avril Lavigne lotou vários estádios do país com um contingente de jovenzinhas(os) eufóricas(os) e de famílias com crianças. É uma artista fraquinha, mas parece que sua popularidade provém de que ela teria “atitude”, seja lá o que isso for. Avril mira numa fatia de mercado em ascensão: os púberes, afinal, é preciso oferecer ídolos na medida das necessidades dessa faixa etária. Ela canta para gente que brinca de parecer adolescente antes de sê-lo, mas cabe a nós, adultos, não confundir as coisas: a juventude não é só casca.

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28/09/05 |
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Inimigo oculto

Sobre baratas, políticos e esperança

Tudo começa quando a incauta dona da casa entra na cozinha. Subitamente, ela percebe um movimento sutil, uma sombra, um ruidinho… É o suficiente. Todos seus sentidos entram em alerta, as pupilas se dilatam, o suor brota. Se houver um salvador disponível, o grito já se perfila na garganta, pronto para disparar. A caçada começa, mas a caçadora treme frente à minúscula rival, pode até derrotá-la, mas seu mundo perdeu a segurança, está maculado. De onde saiu essa, há muitas mais. São pré-históricas e as imaginamos pós-históricas, as únicas que sobreviveriam ao apocalipse nuclear. Qual o segredo desse inimigo que não ataca os seres humanos, mas é capaz de arrepiá-los com a simples menção de seu nome: barata!

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24/09/05 |
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Ressentimento

Sobre o livro de Maria Rita Kehl

Psicanalistas podem, e por vezes precisam, falar seu jargão, sua língua própria: palavras como ego ou inconsciente. Mas seu ofício é ouvir além do óbvio, portanto precisam também se apropriar de palavras corriqueiras e fazê-las vibrar em outras freqüências. Foi isso que a psicanalista Maria Rita Kehl fez em seu último livro chamado Ressentimento (Ed. Casa do Psicólogo).

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21/09/05 |
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Retrato falado de um tempo selvagem

Sobre o livro em quadrinhos Maus de Art Spiegelman

O cartunista americano Art Spiegelman é filho de judeus poloneses, sobreviventes dos campos de extermínio. Vladek, o pai, realizou feitos inacreditáveis na juventude, mas na velhice ficou paranóico e sovina ao extremo, continuou o resto da vida comportando-se como se ainda estivesse num campo de concentração, onde é preciso estar alerta, ser previdente e desconfiado. Anja, a mãe, era uma mulher culta e sensível, sobreviveu graças à ajuda de seu dedicado marido e à providência de algumas boas almas, mas era depressiva e acabou suicidando-se. Tantas provações não fizeram de Vladek um homem admirável aos olhos do filho, e Anja seguiu apagada. Tudo o que ela deixou foram seus diários, os quais foram queimados por Vladek antes que o filho os lesse. Do início ao fim, uma tristeza só.

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07/09/05 |
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Piadas pós-feministas

Sobre a humorista argentina Maitena em 28/07/2005

Se um homem dissesse a uma mulher que ela está Superada, ou Alterada, que é mal-amada, obcecada pelo peso, paranóica com a celulite, vítima da moda e uma mãe neurótica, se arrependeria no inferno. Mas a humorista argentina Maitena (autora de tiras publicadas em jornais e revistas, assim como dos livros “Mulheres Alteradas”, Ed. Rocco) pode isso e muitíssimo mais. Seus trabalhos são precisos e quase cruéis com o sexo frágil, principalmente em revelar os aspectos nada frágeis de nosso modo de ser. Seu traço sublinha uma insatisfação crônica, fonte de sofrimento e de uma certa maldade feminina. Mulheres são detalhistas e têm um olhar aguçado para perceber as pequenas contradições que revelam grandes verdades.

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28/07/05 |
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Metamorfoses ambulantes

Sobre comunicação virtual, nick names, em 27/07/2005

Quem é assíduo ao computador, particularmente aos espaços de comunicação instantânea e compulsiva, como hoje é o MSN, já está acostumado a reconhecer seus amigos sob diversos disfarces. Além do nick-name, apelido pelo qual alguém se identifica de modo mais ou menos permanente, sempre há uma frase que o acompanha, uma pequena mensagem, que é uma extensão do nome. Pode ser um trecho de letra de música, um recado, ou mesmo a descrição do sentimento ou ação do momento, como “morrendo” ou “sem o q fazer”. O importante é que essa frase muda com freqüência e deve ser atualizada para melhor retratar a situação vigente e o personagem que representa. Esse carnaval de Veneza virtual não visa esconder a identidade de ninguém, mas sim revelá-la em sua condição multifacetada, variável. Não são máscaras que ocultam, são enfeites, que ressaltam e descrevem o estilo e estado de cada um. Como quase tudo em nosso mundo tecnológico e hiper-conectado, estas epígrafes de si mesmo mudam toda hora. Ninguém duvida da necessidade de ser visto e notado em nossa “sociedade do espetáculo”, porém, nesse esforço cotidiano de buscar um apelido e uma frase que nos representem e caracterizem, há mais do que uma mera vontade de aparecer. Não é irrelevante que, além de chamativas, essas confissões públicas sejam evanescentes.

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27/07/05 |
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Menos!

Sobre as ilusões romanticas

Acabou, ainda bem. A época do dia dos namorados deve ser perigosa para diabéticos. É muito açúcar. Somos submetidos a uma enxurrada de corações e mensagens melosas pré-fabricadas. Hoje a proposta é amar com estilo e sensualidade e não se esqueça que amor também é competição, mantenha os rivais sob controle, seja surpreendente. O amor tornou-se uma obsessão que necessita expressão pública. Não é possível assistir sequer um filme sobre aborígines australianos ou a exploração de marte sem que no meio coloquem um romance ou arrastadas cenas de beijo e confissões pueris. A música, quanto mais popular, mais monotemática será: só amor e dor de corno. Quanto ao sexo, boa parte da ficção cinematográfica nos faz pensar que a vida é um curto intervalo entre uma boa transa e outra.

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15/06/05 |
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