Orgulho gay
Sobre o orgulho e a parada gay
Vinte e quatro horas depois do dia dos namorados, mais de um milhão de pessoas se reuniram em São Paulo numa alegre confraternização: a 8ª Parada do Orgulho Gay. Depois que a publicidade do dia dos namorados nos encharcou duma versão idealizada do amor romântico, heterossexual, entre pessoas lindas, da mesma faixa etária e outras banalidades, é bem vinda esta celebração de outras formas de amar.
Geração de Pioneiras
Pioneiras sobre o livro Perdas e Ganhos de Lya Luft
Perdas & Ganhos, o penúltimo livro de Lya Luft, não é ficção, tampouco ensaio, sequer autobiografia. Não é de leitura fácil, nem contém apelos baratos às nossas carências, porém produziu uma coqueluche de vendas. Entre prosa e poesia, Lya distribui uma série de conselhos sobre o essencial: tratam da nossa condição de filhos, pais, amantes, do envelhecimento, do luto, dos nossos tempos narcisistas e da coragem necessária para amadurecer. Mas por que uma dama da literatura escreveria um livro de conselhos e tantos o aclamam? Porque são colocações precisas, vindas de uma mulher cuja vida tem sido coerente com seu discurso. Suas palavras, apoiadas por sua credibilidade pessoal, entraram num espaço vago, que tem sido (mal) ocupado pelos livros de auto-ajuda: a necessidade de cotejar a própria vida com algum tipo de sabedoria seja ancestral, religiosa ou científica.
Gigolôs da desesperança
Desesperança sobre velhice e bingos
Foi patética a exposição pública das almas perdidas que o fechamento dos Bingos deixou a deriva. Naquela ocasião, a imprensa revelou o que todos supúnhamos: no Brasil este jogo é uma das grandes diversões da terceira idade. Ninguém ignora que envelhecer aqui é árduo: o dinheiro esfarela, as cidades são hostis a quem não se movimenta com agilidade, o sistema de saúde kafkiano. Mas Bingo é demais.
Chico em prosa
Sobre o livro Budapeste
Chico Buarque não precisava provar mais nada para ninguém. Poeta maior, para que também escrever romances? A resposta está com José Costa, o personagem central do já consagrado Budapeste (Companhia das Letras). Ele é um escritor anônimo, cria textos que outros assinam, é bom no que faz, mas o anonimato lhe é uma compulsão.
Analfabetismo místico
Sobre tautar ideogramas
Não tatuaria um ideograma chinês, por mais que desejasse que as palavras sorte, felicidade ou saúde penetrassem na minha carne até fazerem parte inerente de meu ser. Nada contra tatuagens, o problema é com os ideogramas.
Infância de Chumbo
Sobre os 40 anos do golpe militar
No aniversário de 40 anos do golpe militar, meu maior desejo seria crer nas palavras do presidente argentino. Em recentemente inauguração de um museu, dedicado à memória da tortura, ele prometeu que a ditadura e sua máquina mortífera nunca mais se repetiriam. Por aqui, se houve esse tipo de promessa, ela ficou abafada pelo tom cordial da nossa abertura política, que ainda perdura. A memória que gostaria de resgatar, não vale um museu, é a do cotidiano da geração que cresceu sob as seqüelas do golpe, a minha.
20 anos sem Cortázar
Sobre o aniversário da morte do escritor
Dia 12 de fevereiro fizeram vinte anos da morte do escritor argentino, radicado na França, Júlio Cortázar. Sua morada estrangeira não o impediu de fazer da língua espanhola um instrumento onde bem executar sua sinfonia de palavras. Foram anos politicamente muito duros, nos quais os mais sensíveis poetas e escritores latino americanos viviam vários tipos de exílio. O de Júlio foi político, mas também pessoal, ele encontrou em Paris sua melhor tradução. Quanto a mim, em minha juventude encontrei em seus textos o mesmo que a cidade luz lhe ofereceu.
Loira Burra
Sobre o preconceito com as loiras
Estamos na véspera do próximo e sempre festejado Dia Internacional da Mulher. Sempre me incomoda nesta ocasião pensar que a mulher mais desejável é também a mais desprezível: a loira burra. Essa gostosa estereotipada é um poderoso reduto de preconceito e discriminação. A loira burra não é sequer bem-vinda entre as próprias loiras, aliás nem a mais ingênua e supérflua das histéricas consegue ser simplória a este ponto. Mas a quem serve o cultivo desta caricatura feminina? Estamos somente diante dum novo e disfarçado alvo para o machismo enrustido?
Mentiras sinceras
Sobre o filme Adeus Lenin
A melhor mentira é aquela que retrata a verdade que gostaríamos que houvesse ocorrido. Este é o mote de “Adeus, Lênin!”, um filme alemão de cômica e inteligente delicadeza. Nele, a mãe do protagonista, uma mulher frágil, escolhe a devoção à burocracia alemã oriental como arrimo psíquico. Ela cria seus filhos afastados do pai (que partira para a Alemanha Ocidental), mas filiados a esse grande ideal, de um regime que ela idealizava, mas que já ruía em seu redor. Um pouco antes da queda do muro ela tem um ataque cardíaco, ficando em coma por 8 meses. Quando acorda, sua Alemanha Oriental, que como ela estava sendo mantida respirando por aparelhos, já não existia mais. Porém seu filho decide organizar um grande teatro para lhe ocultar essa realidade e evitar que ela tivesse um choque. Ele começa a simular não mais uma mera continuação do passado da mãe, mas sim uma versão de como ele gostaria que a história tivesse ocorrido: que o socialismo pudesse ter se arejado e não deixado o país em bancarrota, sentindo vergonha de si mesmo. O filme já encerrou sua temporada nos cinemas, o que me dá liberdade de comentar que ela colheu o que plantou, já que mentira aos filhos sobre o destino de seu marido.
A verdade é indigesta. Quando os filhos são pequenos, os pais mentem para protegê-los daquilo que é muito duro para ser sabido. Como quando um pai diz ao filho que a vovó foi para o céu, por não saber como dizer que acredita que a vida simplesmente acaba. Mente-se sobre o Papai Noel e o Coelho da Páscoa para manter a magia de uma festa. Como este filho do filme fez com sua mãe, os pais dizem para os filhos a verdade de seus desejos. Que bom se lá do céu todos nossos seres perdidos pudessem testemunhar tudo aquilo que não viveram para ver. Que bom se pudéssemos esperar algum presente que não fosse necessário suar para comprar e se algum personagem mágico existisse para nos recompensar com chocolate por sermos bonzinhos. Devemos agradecer às crianças por suportarem as lorotas que lhes contamos.
O mesmo vale para os pais, que na maior parte dos casos, estão dispostos a escutar a versão dos fatos que seu filho lhes apresentar. Se ele se separou, o ex é que não prestava, se perdeu o emprego é porque havia muita inveja e se não passou na prova é porque foi mal formulada. Este jogo de eterna maquiagem da vida é intrínseco, mas às vezes o muro cai e é preciso acordar. A persistente escolha pela repressão à liberdade de expressão e pela mentira foi um elemento que minou e ajudou a destruir a utopia socialista. Seja com um país ou com uma família, estruturar-se sobre a mentira acaba fazendo a verdade aparecer de onde menos se espera. Este jovem alemão achou o seu, com sua encenação inverteu as coisas e provocou a erupção da verdade.
Bruxinhas de oito a doze
Ssobre o desenho animado WITCH
Quando eu era pequena e nas brincadeiras me perguntavam: “quem eu queria ser”, minha opção era pela Vanderléia (cantora da Jovem Guarda), os meninos da época escolhiam algum que usasse revólver, mas a ninguém ocorreria pedir para ficar com papel de bruxa ou feiticeiro, o que aliás consideraríamos digno de levar uma boa coelhada.